Nélson Oliveira com o TopCycling na Comunidade Valenciana para o balanço de 2024 e projetar mais uma época na Movistar com o Tour de France no horizonte.
Já perdi a conta às conversas com Nélson Oliveira desde que, em 2010, foi para Xacobeo Galicia, depois viriam RadioShack, Lampre-Merida e Movistar.
São 10 anos na estrutura espanhola, que este em 2025 celebra a 46.ª campanha. Do atual plantel só Nairo Quintana, Jorge Arcas e António Pedrero têm tanto tempo de casa como o português.
“Os anos vão passando e os números vão aumentando”, comenta um Nélson Oliveira que aparenta a mesma frescura de sempre. O anadiense é o mais veterano da Movistar, superando por meses o italiano Davide Cimolai.
“Noto a passagem do tempo pelos companheiros; vão uns e vêm outros. Chegamos à mesa e desde que comecei só há dois ou três que estão aqui. O tempo vai passando e vamos notando. Aqui já me tratam como uma família, estão contentes comigo. Para já vejo-me a correr porque estou bem fisicamente, sinto-me com vontade de treinar, tenho a responsabilidade de treinar todos os dias. Provavelmente mais do que tinha quando era mais jovem. A idade é outra, a responsabilidade é outra, se calhar o medo de falhar também é outro. Tento dar tudo nos treinos para que esse medo não se torne uma realidade.”
Nélson Oliveira ao TopCycling.
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Foto: Rafa Gomez/SprintCycling
“Trabalho, alimentação e disciplina“
A estrutura liderada por Eusebio Unzué já não é a todo-poderosa equipa que ganhava o Tour de France nos anos 80 e 90. Os orçamentos dispararam e a Movistar está bem abaixo de UAE Emirates, Red Bull Bora hansgrohe, Ineos Grenadiers e Visma Lease a Bike.
Mesmo assim resiste e renovou o patrocínio com a Telefónica até ao final de 2029, no qual se cumprirão 19 temporadas de união com a empresa de telecomunicações.
É a evolução natural de um desporto que vivia no relativo amadorismo em muitos aspetos e que se profissionalizou. Num WorldTour rejuvenescido Nélson Oliveira persiste.
“O ciclismo evoluiu muito, a maneira de correr e de treinar também. Há sempre aspetos que temos que melhorar. Há uns anos não comíamos o que comemos agora, ou seja, havia uma filosofia diferente do que era a nutrição em corrida, nos treinos. A nível nutricional evoluímos, há mais energia no corpo e isso reflete-se nos números. Nos últimos quatro anos os meus números não foram piorando, tenho-me mantido, tem a ver com trabalho, alimentação e disciplina.”
Nélson Oliveira ao TopCycling.
Não leva uma vida de monge, mas é disciplinado. Desde que é pai tem as rotinas são estabelecidas em função das duas filhas.
Nélson tem presente que os pais são os primeiros exemplos para os filhos, ele que aprendeu com Celestino, o patriarca dos Oliveira, o que é ser ciclista.
“Em casa tento espairecer, não estamos sempre a falar de ciclismo e essa é uma das coisas que me tem ajudado a manter estes anos focado, a treinar. Não há muito tempo para além da família, o tempo que estou em casa é para aproveitar com as filhas. A não ser que tenha um treino longo, vou buscá-las à escola e já começam as atividades.”
Nélson Oliveira ao TopCycling.

Foto: TopCycling
“Entre Pogacar e Vingegaard vai haver fogo de artificio”
Em 2025 podemos dividir o calendário de Nélson Oliveira em duas partes. Estreia-se na clássica da Figueira, vai ao Gran Camiño – prova galega que parte da área metropolitana do Porto – antes de regressar a Strade Bianche, Tirreno-Adriático, País Basco e Romandia.
A segunda parte é construída em torno dos objetivos de Enric Mas. O líder está em fim de contrato e fará Dauphiné e Tour de France, onde já foi 5.º (2020), mas quer subir ao pódio.
Por agora, pódios em “grandes” para Enric Mas só na Vuelta, onde já leva três e o mais recente até foi em 2024. Também fechou forte o ano: 8.º no Mundial e 5.º na Lombardia.
Só que o Tour é o Tour e a imagem que fica é a dos 20 minutos que perdeu em Pla D’Adet, nos Pirenéus, ou da fuga em que entrou em Plateau de Beille já sem hipóteses de discutir a geral.
“Provavelmente irá preparar o Tour de forma diferente. O stress que se vive no Tour é diferente do que se vive na Vuelta. O mediatismo é diferente, provavelmente pode-o afetar ou não, não sei dizer. Tem mantido o rendimento, tem margem de melhora e poderá evoluir em alguns aspetos porque no ciclismo melhorar um por cento já é muito. No Tour já se sabe, entre Tadej Pogacar e Jonas Vingegaard vai haver fogo de artifício por todo o lado, quando estão os dois é para ver quem faz 3.º mais ou menos.”
Nélson Oliveira ao TopCycling.
Todos treinam, todos sofrem e as estradas são as mesmas. Curiosamente, em dezembro, quando estive com Nélson Oliveira na Comunidade Valenciana, tanto Pogacar como Vingegaard estavam pela zona a treinar.
É lógico querer saber onde é que o esloveno e o dinamarquês marcam a diferença para os rivais.
“É o método de treino, a fisionomia, o ADN. São melhores do que os outros em muitas coisas, mas não em tudo. Pões o Vingegaard a fazer um contrarrelógio de um dia e não o faz tão bem como numa grande Volta. O Pogacar também não vai ganhar um contrarrelógio no Mundial… até ver. Ao lado do Ganna ou do Remco é favorito, mas não como no Tour.”
Nélson Oliveira ao TopCycling.

Foto: TopCycling
Ganhar uma corrida
A fechar, dois dados: é o ciclista no ativo que há mais dias consecutivos compete (208 dias, o último abandono foi na Volta ao País Basco, em 2022) e tem umas incríveis 21 grandes Voltas iniciadas e concluídas.
Pedimos a Nélson Oliveira para partilhar os segredos da receita da regularidade ao serviço da Movistar.
“Não há receita. É não ter azares, saber o que estamos a fazer e seguir para a frente sem pensar em muita coisa. Não tenho tido azares ao ponto de abandonar.”
Nélson Oliveira ao TopCycling.
São 33 anos, mas o espírito é o de qualquer novato. Nélson Oliveira quer ganhar uma corrida, como naquele dia nublado de 2015, em Tarazona, província de Saragoça, quando ligou a “moto” e arrancou de uma fuga numerosa para levar a 13.ª etapa da Vuelta a Espanha.