Alessandro De Marchi não está preparado para pendurar a bicicleta. O italiano sentou-se com o TopCycling e deu uma masterclass de ciclismo.
Alessandro De Marchi já venceu na Vuelta a Espanha, vestiu a camisola rosa e foi o super combativo no Tour de France de 2014.
Tem 38 anos e 14 deles foram passados a correr profissionalmente.
O Topcycling esteve no Media Day da Jayco AlUla e teve o privilégio de conversar sem pressas com um corredor que vai para a terceira época ao serviço da estrutura australiana.
“Consegui manter um bom nível em 2024 e isto é algo que me ajuda a abordar outra época. Não é óbvio que aos 38 anos ainda queiras correr no WorldTour, mas no momento é isto que me motiva: a paixão. Vou abordar a época número 15 e claro que o que me empurra é a paixão por pedalar na sua essência, a pura sensação de pedalar. O objetivo é o mesmo: quero estar vivo nas corridas, andar na frente e na ação, não estar só a seguir rodas.“
Alessandro De Marchi ao TopCycling.
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Faz 39 anos durante o Giro de Itália
Nada dura para sempre e o facto é que De Marchi faz 39 anos durante o Giro de Itália. É uma tradição celebrar o aniversário na prova onde esteve oito vezes e que não falha desde 2021.
Incrivelmente nunca aí venceu qualquer etapa ou classificação. É possível que por essa altura já tenha decidido se continua ou pendura a bicicleta.
“Já me pergunto sobre isso, vou pensado. Sei que com a minha idade não é fácil estar neste tipo de ciclismo. Gosto de dizer que estou a processar a ideia e que provavelmente durante a primavera vou tomar uma decisão sobre se continuo ou paro por aqui. No próximo capítulo há boas hipóteses de ficar ligado ao desporto.”
Alessandro De Marchi ao TopCycling.
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Foto: Dario Belingheri/Bettini Photo
“A fuga é coragem, caráter e vontade de arriscar”
Em 2024 voltou aos triunfos, quase três anos depois da última vitória. Foi na etapa mais longa do Tour dos Alpes, uma jornada de média montanha entre o Tirol do Sul e o Tirol.
Sem surpresa, De Marchi impôs-se numa fuga que ele próprio iniciou e teve o cuidado de manter unida até arrancar sozinho na última subida do dia.
Disse na flash interview que “a fuga é coragem, caráter e vontade de arriscar, algo que não se vê tanto nas novas gerações“.
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Ciclismo moderno é difícil, desafiante, mas tem menos alma
O ciclismo tem vindo a mudar radicalmente. Do prato de arroz ao pequeno-almoço, almoço e jantar o pelotão passou a viajar com chefes de cozinha especializados no alto rendimento.
A modalidade profissionalizou-se, aliás, há equipas que têm departamentos de performance com staff a tempo inteiro. Há parcerias com universidades, treinadores que publicam trabalhos científicos e corredores capazes de entender esta linguagem académica.
Para Alessandro De Marchi o ciclismo moderno é difícil, desafiante, mas tem menos alma face ao passado.
“Treino, nutrição são pontos-chave e a nutrição, claro. Estamos mais focados na performance e, provavelmente, a capacidade de ler corridas e de lutar pelos momentos na corrida importam menos. Cada jovem corredor está focado no treino, na nutrição e na recuperação. Falta-nos um pouco a vida da corrida, a paixão. É aí onde o ciclista, a pessoa, pode fazer a diferença. Antigamente, havia um maior equilíbrio entre estes conceitos, por isso é que tens jovens a passar a pros com menos foco nas qualidades necessárias, também como ser humano, para lutar. Por vezes, demasiadas ferramentas ao teu dispor não te ajudam a ter a noção de ti mesmo, da tua perceção e das tuas sensações.”
De Marchi ao TopCycling.

Foto: GreenEDGE Cycling
O triunfo foi do mais bravo
Instinto e leitura de corrida. Virtudes que valem tanto como a capacidade de mover Watts.
Um exemplo de que no ciclismo nem sempre ganha o mais forte foi a vitória de De Marchi no Giro dell’Emillia, em 2018. Nessa ocasião triunfou o mais bravo e o que melhor encaixou a chuva torrencial que caiu em Bolonha, junto ao Santuário de San Luca.
O último italiano a levantar os braços arrancou a mais de 20 km do final. Desde então ganharam em Bolonha: Primoz Roglic (três vezes), Aleksandr Vlasov, Enric Mas e Tadej Pogacar.
“Essa foi uma das importantes, foi a primeira corrida de um dia que ganhei. Totalmente diferente das vitórias anteriores. Foi numa corrida que adorava, em Itália, numa prova icónica. Não é fácil dizer que é a mais importante, ganhei sete corridas e não 100 onde cada uma é melhor que a outra, mas foi especial claro.
De Marchi ao TopCycling.
Que dure muitos anos, mas se este for o último podemos dizer que pelo menos pudemos desfrutar de um dos ciclistas mais entretidos da década.
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Foto de capa: A.S.O./Bruno Bade