O TopCycling ouviu o ídolo da afición espanhola. Perico diz que João Almeida é um “corredoraço” e será protagonista no próximo Giro de Itália.
Perico é uma palavra utilizada com frequência em Espanha. Os usos são variados, mas o mais comum é servir como diminutivo de Pedro. Também designa uma ave trepadora da família dos papagaios.
O primeiro a chamar Perico a Pedro Delgado foi o jornalista José María García, voz marcante da rádio espanhola nos anos 80 e 90. Super García rebatizou o corredor natural de Segóvia após ganhar a Vuelta de 1985. Vivia-se a era de ouro dos late night shows radiofónicos, cada atleta era disputado ferozmente por García e o arquirrival José Ramón De la Morena; uma das batalhas teve Delgado pelo meio e levou ao fim da relação do ciclista com o explosivo José María García.
Desde que vivo em Espanha sou fiel aos comentários de Perico Delgado durante a Vuelta e depois de o ver conduzir a apresentação da Movistar, a admiração pelo antigo ciclista, que em 1995 iniciou a reconversão de atleta para comunicador, aumentou ainda mais.
O que diz Pedro Delgado importa. Por isso quisemos saber o que pensa sobre João Almeida e uma possível estreia de Portugal como nação vencedora de uma prova de três semanas. Na impossibilidade de irmos à apresentação da Kern Pharma – onde Perico Delgado foi o mestre-de-cerimónias – o TopCycling recorreu aos amigos da página Ciclo 21 que transmitiram as nossas perguntas ao campeão de três grandes Voltas.
“João Almeida parece-me um corredoraço. Se calhar fisicamente tem algumas limitações em relação a outros corredores, mas a força mental que tem é invejável. Como gere o esforço e a agonia parece-me digno de admirar e creio que é o maior potencial que tem o João, a força mental.”
Perico Delgado ao TopCycling.
A próxima edição da prova italiana será a quarta de João Almeida, que já fez 4º, 6º e abandonou por Covid no ano passado quando ia a caminho do pódio. O Giro de 2023 arranca com 18,4km de contrarrelógio individual na Costa dei Trabocchi, junto ao mar Adriático, e tem um total de 70km de esforço contra o cronómetro, motivos que atraíram o campeão mundial Remco Evenepoel e o tricampeão da Vuelta Primoz Roglic. Curiosamente Roglic bateu Almeida no Tirreno-Adriático e os três craques vão-se encontrar na Volta à Catalunha no último teste pré-Giro.
Para Perico Delgado, o português da UAE está chamado a ser protagonista.
“Creio que lhe vai tocar um Giro de Itália muito complicado pela presença de Evenepoel, Roglic e outro que se anime a ir à festa. Vai ser difícil ganhar. O João Almeida tem essa capacidade mental, além da física, que seguramente o vai tornar protagonista da corrida. No entanto, insisto, vai ser um mau ano porque sem Evenepoel ou Roglic podes ganhar um Giro de Itália porque sempre foi uma prova com a qual namoriscou e realmente é uma pena que tendo essa condição física de poder aspirar a ganhar uma grande, a presença destes dois astros possivelmente torne isso difícil. Mentalmente, insisto, tem essa força e com Evenepoel [presente] sabe que ganhar é ainda mais meritório por isso tenho a certeza de que vai ser protagonista.”
Perico Delgado ao TopCycling.
“Pericomania” até na Corrida do Peru
É justo dizer que sem Pedro Delgado dificilmente teriam aparecido Contador, Freire ou Valverde. Até Perico, a Espanha somava apenas duas edições do Tour – por Federico Bahamontes (1959) e Luis Ocaña (1973) – e desde então já são 10, incluindo o de 1988 por Don Pedro Delgado (também vencedor de duas Vueltas). Ao sucesso não é alheio o surgimento da Reynolds, atual Movistar. Em 1983 estrearam-se no Tour e esta temporada cumprem 43 anos de existência.
A arte de Perico Delgado permitiu pôr toda a gente a rir no auditório Telefónica, em Madrid, quando brincou com a quase descida de divisão da Movistar e a tensão vivida por Eusébio Unzué. Só alguém que deu tanto à estrutura se pode permitir brincar com assuntos tão sérios perante uma sala repleta de executivos que investem milhões na equipa.
Perico Delgado vive discretamente sempre perto de Segóvia, onde o vi em ação durante a “Carrera del Pavo” – literalmente traduzida como “Corrida do Peru” – que se disputa cada ano no dia de Natal. A estrela da terra compete pela “risota” numa prova que consiste em 200 metros lançados, aproveitando a descida do Aqueduto até à Praça del Azoguejo, e daí são 600 metros de subida pelo centro histórico… sem dar aos pedais. Ganha quem percorrer mais metros; os prémios são curiosos: um peru para o vencedor, um pato para o segundo e uma galinha para o terceiro.
Do Alcázar ao Aqueduto sem esquecer o leitão de Segóvia
É curioso que não haja um leitão no pódio, já que Segóvia é a capital espanhola do cochinillo. O histórico Méson de Cándido é o Alpe d’Huez da boa mesa e além dos sabores, convida-nos a uma viagem no tempo já que mantém o estilo da taberna que abriu em 1905.
Voltemos ao ciclismo. A Corrida do Peru decorre nas ruas inclinadas do bairro de Judería,onde viviam os judeus até serem expulsos pelos reis católicos (Isabel e Fernando) em 1492, declarado Património da Humanidade em 1985 tal como toda a zona adjacente. A prova não passa pela catedral nem pelo Alcázar, que podemos conhecer a pé deambulando pela pitoresca cidade de Castilla y León.
Do Alcázar ao Aqueduto sem esquecer o leitão de Segóvia, a cidade de Perico é monumental e tem no antigo ciclista património histórico. Pedro Delgado é um personagem tão rico que me obriga a abordar aqui apenas uma de várias facetas. Poderíamos detalhar a estreia no Tour onde quase ganha, a passagem pela PDM neerlandesa, recuar a 1989 ao prólogo no Luxemburgo onde chegou três minutos depois da hora por ter parado para dar autógrafos, ou falar da sucessão na Banesto quando apareceu Miguel Indurain. Um dia voltaremos a Perico.
Subscreve a newsletter semanal para receberes todas as notícias e conteúdo original do TopCycling.pt. Segue-nos nas várias redes sociais Youtube , Instagram , Twitter , e Facebook.