Opinião | Almeida e Vingegaard não mereciam uma Vuelta assim

Opinião | Almeida e Vingegaard não mereciam uma Vuelta assim

O sentimento de frustração é máximo entre os fãs de João Almeida – em menor escala para quem apoia Jonas Vingegaard que, pelo menos, lidera a prova – ao vermos o definhar desta edição da Vuelta a Espanha.

O boicote à participação da Israel Premier Tech foi escalando até impedir o normal desenrolar da corrida. A Vuelta de 2025 passará à história com a seguinte nota de rodapé: edição condicionada por protestos pró-Palestina, perturbações graves do percurso e sentimento generalizado de medo no pelotão.

Isto vale caso o campeão seja Vingegaard ou Almeida. Profissionais como são, tenho a certeza que nenhum deles queria estar envolvido numa prova de três semanas carregada de negatividade depois de terem trabalhado tanto para a correr.

Como evento desportivo, a Vuelta a Espanha está desvirtuada. É a minha opinião. Vamos a factos.

  • Javier Romo abandonou após um manifestante invadir a estrada, obrigar à intervenção da polícia e precipitar a queda do ciclista da Movistar.
  • Almeida foi impedido de testar Vingegaard na 16ª etapa da Vuelta porque não se fez o final em Castro de Herville.
  • Tom Pidcock e Vingegaard foram privados de sprintar pela vitória em Bilbau e a etapa acabou sem vencedor.
  • A fuga foi bloqueada na etapa do Angliru e perdeu tempo sem que lhes tivesse sido devolvida essa vantagem.
  • O contrarrelógio de Valladolid passou de 27 a 12 km a três dias do final da prova e as alterações foram realizadas a menos de 24 horas da etapa.
  • Os ciclistas da Israel foram assobiados, pressionados e insultados; um bloco com oito atletas de sete nacionalidades que não competiu em igualdade de circunstâncias com as demais equipas.
Bilbau foi palco dos protestos mais problemáticos.
Foto. Unipublic Cxcling Creative Agency

Passividade incompreensível das autoridades

A Unipublic – organizadora da corrida – tornou-se refém de um conflito secular que a ultrapassa.

Primeiro, não tem o poder de expulsar a Israel Premier Tech – cabe ao Comité Olímpico Internacional marcar às federações que países podem competir e a que eventos podem assistir. Segundo, vê-se pressionada por um governo cujos ministros pediram a exclusão da equipa israelita.

Há uma passividade incompreensível das autoridades perante manifestantes agressivos que impedem o desenrolar do maior evento do ciclismo espanhol e um dos mais importantes do calendário mundial.

Não julgo a causa nem a legitimidade do protesto, mas quando se interfere no “terreno de jogo” cruzam-se todas as linhas vermelhas porque os ciclistas têm tanto direito a correr como os manifestantes têm de passar a mensagem que deve ser ouvida pelos políticos que têm poder de decisão.

Foto: Unipublic Cxcling Creative Agency

Incapaz de proteger a Vuelta

A Espanha viveu durante décadas aterrorizada pela ETA. Sequestros, atentados; entre 1968 e 2015 foram assassinadas mais de 850 pessoas. Aqui ao lado, às portas da fronteira com Portugal, não foi numa realidade que nos seja desconhecida.

Os espanhóis ainda estão a processar o trauma que supôs viver todo o período da democracia com esta dor. O medo tirou a Vuelta do País Basco durante 33 anos e os bascos amam o ciclismo.

Porque é que recordo este período negro? Por dois aspetos que me fizeram refletir:

  • O organizador dos protestos em Bilbau foi identificado pelo El Mundo como sendo Ibon Meñika, voz do grupo “Guernica Palestina”, duas vezes condenado por pertencer a grupos vinculados à ETA. Há relação direta entre etarras e parte dos manifestantes, sem generalizar porque a maioria manifesta-se pacificamente.
  • Como é que um país que desarticulou a ETA e organiza eventos de massa tem sido incapaz de proteger a Vuelta a Espanha? Taylor Swift atuou no Santiago Benabéu; jogou-se Champions League em Madrid, Barcelona, Villarreal, Bilbao e San Sebastián. Tudo dentro da normalidade. O que se faz à final da Champions agendada em 2027 para o estádio do Atlético de Madrid? Cancela-se, joga-se só 75 minutos e atribuiu-se o título a quem lidera o marcador? Soa ridículo, mas é o que vai acontecer na Vuelta.
Almeida e o grupo de favoritos no Alto de El Morredero.
Foto: Unipublic Cxcling Creative Agency

Será que a Vuelta chega a Madrid?

Afinal, a Espanha é ou não é um país seguro para a realização de grandes eventos desportivos? Quem tem assistido às perturbações na Vuelta pode pensar que é um país sem recursos para combater a delinquência, algo que não corresponde à realidade.

É certo que o conflito entre Israel e a Palestina escalou nos últimos meses. Há um genocídio a decorrer em Gaza e em simultâneo terroristas do Hamas continuam a aterrorizar cidadãos israelitas. Desde a escalada de violência realizaram-se várias grandes voltas e em nenhuma se viveu a sensação de perigo iminente que a Vuelta e a Espanha têm transmitido. Estamos perante um dos eventos de ciclismo mais politizados da história.

No meio da polémica o pelotão teve um comportamento exemplar. Condicionado, com níveis de ansiedade no máximo e sempre a mesma postura profissional do grupo, a quem espera em Madrid uma receção tensa já que foram convocadas perto de 20 manifestações que serão controladas por 1500 membros da Polícia Nacional e da Guardia Civil. Um dispositivo ao nível das cimeiras da NATO para garantir a segurança dos ciclistas.

Deixo no ar várias perguntas porque não tenho respostas. Será que a Vuelta chega a Madrid? Deve-se competir neste contexto de insegurança? Deve haver um vencedor desta edição? É legítimo misturar política e desporto?

João Almeida e Jonas Vingegaard não mereciam uma Vuelta assim.

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