Porque saiu da Fenix-Deceuninck? Como foi a experiência no WorldTour? Qual o objetivo nos Jogos Olímpicos? O que fará após Paris 2024? Maria Martins em entrevista ao TopCycling.
Grande entrevista de Maria Martins antes de Paris 2024. Quanto pesa uma nação? Para os atletas a carga é grande. Às ambições pessoais juntam-se as expetativas do público.
Maria Martins qualificou Portugal para Paris 2024 no ciclismo de pista (omnium) repetindo Tóquio 2020. Dois ciclos olímpicos com zero margem para percalços.
Também ajudou ao apuramento na estrada com 257 pontos UCI. Quatro colegas totalizaram mais 180 e Portugal estará na prova de fundo, o que não acontece desde Ana Barros (Atlanta 1996).
O selecionador José Luís Algarra pré-convocou para Paris 2024 Beatriz Pereira e Beatriz Roxo (Cantábria Deporte/Rio Miera), Daniela Campos (Eneicat-CMTeam) e Vera Vilaça (DAS-Hutchinson-Brother UK).
Tata Martins ficou fora das escolhas.
“Quando foi feito o anúncio… Nem consigo explicar numa palavra. Triste, desiludida, revoltada, surpreendida. É uma falta de consideração pelo que fiz. Quem segue o ciclismo feminino sabe que contribuí em grande medida para meter Portugal ali. Custa-me nem ver o meu nome nas reservas. Faz parte do desporto e os atletas têm que saber lidar.”
Maria Martins ao TopCycling.
Pioneira portuguesa no WorldTour
Os últimos meses não foram fáceis. Tata passou de ser a pioneira portuguesa no WorldTour a ficar sem equipa. De correr o Giro de Itália a ver as provas pela televisão.
A saída da Fenix-Deceuninck ditou uma espécie de timeout na carreira. Quando pesou prós e contras, a atleta deu prioridade aos Jogos Olímpicos.
“Se a Fenix-Deceuninck tivesse renovado teria continuado. Para os objetivos este ano – os Jogos Olímpicos – consigo ter uma liberdade brutal de preparação. É uma diferença incrível a nível de viagens. É tudo fadiga extra que vamos adicionando na nossa bagagem. Quando estamos frescos é uma maravilha, mas a meio do ano as coisas começam a pesar.”
“Gostei muito de estar na Fenix-Deceuninck”
A saída da equipa de Mathieu van der Poel foi surpreendente. O projeto neerlandês aposta forte na estrada, no ciclocrosse e no BTT.
Numa estrutura multidisciplinar, a dificuldade de conciliar pista e estrada foi o motivo principal para Maria Martins perder o lugar no WorldTour.
“Gostei muito de estar na Fenix-Deceuninck, de fazer o Giro, a minha primeira grande Volta. Tive momentos bons e uma fase em que andei desligada e que marcou a época. É um sabor agridoce. Conciliar pista e estrada foi difícil, se não tivesse tanta responsabilidade na pista as coisas teriam sido de outra forma. Acredito no meu potencial e tenho a noção do difícil que é chegar ao WorldTour, mas ambiciono que a carreira não fique por aqui.”
Seis épocas em equipas estrangeiras
Foram seis épocas em equipas estrangeiras – Sopela espanhola, Le Col britânica e Fenix-Deceuninck neerlandesa.
As diferenças entre uma estrutura feminina de topo mundial e uma Continental? Tata explica.
“O facto de estar associada a uma estrutura masculina dá uma base incrível. Notamos na logística – equipamentos, viagens, organização. É tudo muito suave, as viagens eram fáceis, aí percebemos que é WorldTour. Também ao nível do staff – médicos, nutricionistas – e de serviços dos quais podíamos usufruir e que fazem a diferença.”
Objetivo é melhorar o 7º posto de Tóquio 2020
Segue-se Paris 2024 e o omnium. Quatro disciplinas num dia de competição: scratch, tempo race, eliminação e corrida por pontos.
O velódromo de Saint-Quentin-en-Yvelines é de boa memória para a ribatejana, que no Mundial de 2022 aí venceu um bronze no omnium.
Nos Jogos Olímpicos o objetivo é melhorar o 7º posto de Tóquio 2020, mas como?
“É uma das coisas em que mais tenho pensado. A nível de preparação física fazemos sempre o melhor. Sinto que em Tóquio o aspeto mental e como abordei a corrida foram as chaves do sucesso para obter o diploma olímpico. Tenho trabalhado com a minha psicóloga para chegar mental e emocionalmente preparada. É preciso saber gerir naquele dia 11 de agosto os nervos, a ansiedade e é importante trabalhar isso.”
Depois dos Jogos Olímpicos o chip vai mudar
Habituada a estar em alta desde que pisou um velódromo pela primeira vez, Maria Martins sentiu o reverso da medalha nos últimos nove meses.
- Mundial de Glasgow, 2023: 10ª no omnium e 19ª no scratch.
- Europeu de Grenchen, 2024: top 5 no scratch e na eliminação, 8ª no omnium.
Aos 24 anos soma 11 medalhas internacionais entre sub-23 e elites. Em Tóquio foi a única sub-23 nas sete primeiras. Ver passar as medalhas abriu um novo capítulo na carreira de Maria Martins.
“A quebra que tive em 2023 foi pelo excesso de calendário, provas, viagens. No Mundial de 2023 tive uma má experiência, cheguei condicionada e para os Jogos não quero arriscar. Estar em casa tantas semanas, nada normal numa época de ciclismo, tem sido muito bom neste aspeto. A nível financeiro é uma quebra muito grande e a nível de ritmo competitivo tenho sentido que me falta alguma rodagem. Em treino é difícil simular o ritmo que se obtém nas corridas, mas foi uma decisão consciente e foi a certa.”
Depois dos Jogos Olímpicos o chip vai mudar.
Tata é agenciada por João Correia, agente da maioria dos portugueses no WorldTour. A ideia é voltar a integrar uma estrutura de topo que permita viver do ciclismo.
“Não quero tomar o comprimido para a dor de cabeça que vou ter amanhã e não vou rastejar para voltar a uma equipa onde quase que pago para correr. Prefiro sair bem do que ir sempre em quebra. No desporto as carreiras são curtas e vou fazer de tudo para não terminar aqui, mas estou preparada para tudo. Agora estou focada na minha corrida nos Jogos e só depois é que vou pensar neste assunto.”