Portugal regressa ao Giro femenino onde não tinha representação desde 2017. Entrevista TopCycling a Tata Martins e Beatriz Pereira no arranque da prova italiana.
Não estava nos planos para nenhuma, mas o ciclismo é mesmo assim. A 34ª edição do Giro feminino conta com Maria Martins e Beatriz Pereira que pela primeira vez vão testar-se ao longo de dez dias de competição e logo na mais tradicional corrida por etapas do calendário feminino.
Tata Martins está na primeira temporada no WorldTour e desde fevereiro tem competido sem pausa. Primeiro na pista com a seleção nacional, depois com a Fenix-Deceuninck. Baixas de última hora abriram à ribatejana as portas do Giro.
“Não é uma grande volta com muitas etapas que me podem favorecer. Tenho que abordar a coisa de uma forma mais tranquila, vai ser muito exigente com muita subida. Estou focada na 3ª etapa que é a única plana, o resto é tudo mais punch e a subir. Vamos dia a dia.”
Giro como preparação do Mundial
É um período importante da época para Tata Martins. Em agosto há Mundial de pista e muitos pontos em jogo para poder estar nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.
Idealmente a preparação para um Mundial seria em estágio com treinos específicos vocacionados para o omnium – disciplina olímpica onde Tata foi 7ª em Tóquio 2020. Ao invés, a atleta faz o Giro após ter estagiado com a Fenix-Deceuninck, em La Plagne.
“É importante aproveitar o Giro como preparação para o Mundial. Estive em altitude e as sensações não foram as melhores. Sentia-me cansada, mas a altitude pode ter influência nisso. Fizemos algum trabalho de subida, mas tudo individualizado para cada atleta; eu colocava o meu passo, cada uma fazia o seu trabalho e reuníamos o grupo no topo da subida. Foram horas de trabalho, tudo muito consistente e nada que me levasse a um elevado grau de fadiga. Foi muito bom estar com a equipa e entrar neste contexto novo para mim.”
Sprintar contra craques como Marianne Vos
Após uns dias de descanso surge o Giro de Itália no caminho de Tata Martins, que espera ter oportunidade de sprintar contra craques como Marianne Vos (Jumbo-Visma), vencedora de 32 etapas na prova, e Marta Bastianelli (UAE Team ADQ), que se retira no final da corrida.
A Fenix-Deceuninck leva Tata Martins para sprintar, uma série de jovens trepadoras e atletas mais conhecidas do ciclocrosse. Com a maioria a ribatejana nunca correu por isso a preparação do sprint não será ideal, mas como boa portuguesa Tata é perita na arte do “desenrascanço”.
Procurem o kit “verde comodoro” no pelotão já que mantendo a tradição a Fenix-Deceuninck vestirá este maillot que desde o ano passado também os homens vestem no Giro de Itália.
A cereja no topo do gelado
Também no Giro de Itália está Beatriz Pereira. Apanhamos a atleta da Bizkaia Durango enquanto passeava com as colegas nas termas de Chianciano, na Toscana, local de partida da corrida do Giro de Itália.
O gelado pré-Giro foi o último momento de prazer antes de dez dias de sofrimento. A famalicense tinha tudo preparado para fazer um mês de maio forte, mas acabou por não competir e contra os prognósticos caiu de paraquedas na maior prova por etapas do calendário feminino.
“Tenho noção das minhas limitações e capacidades para correr nove dias. É a minha segunda prova WorldTour e a primeira por etapas – a primeira foi a Ronde van Drenthe que não acabei. A primeira prova por etapas ser logo uma grande volta vai ser desafiante. Espero aprender muito, ter experiências novas e conhecer-me melhor como ciclista.”
“Passou-me tudo pela cabeça”
Aos 19 anos é campeã nacional de sub-23 e vice-campeã nacional de elites – em Mogadouro só Cristiana Valente foi mais forte. Beatriz Pereira nasceu em 2003 e no Giro vai correr contra 98 atletas nascidas em 1999 ou antes, isto é, ciclistas com mais de 24-25 anos.
A tricampeã Van Vleuten tem 40, mas também há três miúdas de 18 anos. Um sinal de que falta um calendário específico para as sub-23, aliás, a Volta a França do Futuro prepara-se para a 1ª edição do Avenir corroborando esta teoria.
“O primeiro ano de sub-23 foi difícil. Fiquei várias vezes doente, tentei levar a universidade e o ciclismo num nível demasiado alto e o corpo não respondeu bem. Dormia poucas horas, tinha muito stress e o sistema imunitário sofreu: tive quatro amidalites e uma gastroenterite. Este ano, na tentativa de que corresse melhor, abrandei com a universidade e ver se valia a pena por toda a minha vida em espera para tentar esta carreira do ciclismo e o princípio de 2023 foi difícil.”
Beatriz Pereira demonstrou uma fortaleza mental em linha com o desporto que escolheu. Rodeou-se das pessoas certas, encontrou apoio na família e no namorado. Remontou para superar a desilusão de não ter corrido em maio quando o calendário espanhol ofereceu Vuelta, País Basco, Burgos e várias clássicas.
“Passou-me tudo pela cabeça, mas sou focada, disciplinada e tentei cumprir os treinos como podia e me apetecia. Desfrutar da bicicleta com boas pessoas como o Tiago Machado que me conhecesse desde infantis.”
A amizade com Tiago Machado
Por vezes falamos do impacto que os atletas de referência têm nos mais jovens. Tiago Machado foi craque do WorldTour, mas como orgulhoso minhoto sempre ajudou os conterrâneos.
Numa gala do campeonato regional do Minho conheceu uma infantil que tinha sido 5ª numa prova onde não havia categoria feminina. Não houve prémio para Beatriz Pereira, mas ficou a amizade com Tiago Machado, diretor da Academia da Efapel.
“Treinou algumas vezes comigo este ano em ritmo de corrida. As conversas com ele também ajudam. Senti falta este ano de pessoas que acreditem no meu valor e o Tiago dizer que acredita em mim tendo ele já conquistado tantas coisas… foi importante.”
Beatriz Pereira está em formação, mas correndo em Espanha e numa equipa histórica como a Bizkaia Durango foi obrigada a crescer rápido. À Volta à Andaluzia, no início de junho, foi após dois meses sem competir perante um pelotão bem rodado de corridas WorldTour. Um teste onde mostrou à equipa que tem fibra de ciclista de elite.
Para o Giro também só foi chamada no domingo dos Nacionais. Beatriz Pereira tem mais uma oportunidade de mostrar serviço e na linha dos conterrâneos Tiago Machado e André Carvalho dar seguimento à típica combatividade que se tornou imagem de marca dos atletas de Vila Nova de Famalicão.