Aos 24 anos, Raquel Queirós, duas vezes atleta olímpica e vencedora da 1ª Volta a Portugal Feminina, vai começar a sua equipa para correr na Taça do Mundo de XCO.
Em entrevista, Raquel Queirós, natural de Guilhabreu, Vila do Conde, fala sobre o percurso que a elevou a um dos maiores nomes do ciclismo feminino nacional.
Atendeu a chamada do Topcycling com um sorriso na cara, e um “problema na mão” que condicionou a preparação no início da época – mas que não impediu o regresso à estrada na Vuelta a Extremadura.
Nascida numa família de ciclistas, foi vítima da “paixão” pela bicicleta assim que experimentou, pela primeira vez, na escolha que tinha aberto na terra onde nasceu: “O meu irmão foi experimentar, e eu perguntei ao meu pai se podia experimentar também, e pronto foi paixão logo, nunca mais larguei. Mas o meu avô já tinha sido ciclista, depois foi diretor desportivo na Ambar, e pronto, na minha família costuma-se dizer que eu já tinha veia de ciclista”.

Triunfos em todas as disciplinas
O palmarés de Raquel Queirós nos escalões jovens é impressionante, com destaque para a multidisciplinariedade. Mas quando foi hora de optar por um foco, houve poucas dúvidas:
Ciclocrosse deixei por opção. Eu sentia, em conjunto com os meus pais e treinador, que acabava por perder muita performance para o cross. Também estava a ficar muitas vezes doente porque são corridas no inverno, tens de treinar outdoor… E mesmo o facto de ser sempre no inverno acabava por ficar sempre doente, entrava na época de XCO doente… Também não é uma paixão minha, o ciclocrosse, não é que não gostasse, mas não é como o XCO. E depois comecei a gostar muito de aproveitar a pré-época sem a competição, quando somos pequenos é diferente, mas agora gosto muito de estar em casa e não estar o ano todo em competição.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
A decisão de deixar a estrada veio depois, mas antes, dois marcos na carreira de qualquer ciclista nacional: a estreia nos Jogos Olímpicos de Tokyo, e a vitória na Volta a Portugal Feminina – a primeira edição da prova.

2021 foi ano de afirmação para Raquel Queirós
“O meu sonho sempre foi correr ao mais alto nível no XCO” – uma ambição esclarecida na cabeça de Raquel Queirós. Com 20 anos, representa Portugal nos Jogos Olímpicos pela primeira vez: uma experiência condicionada, entre outros motivos, pela pandemia:
Eu soube mais ou menos que poderia haver a oportunidade de nós irmos no mundial do ano anterior aos Jogos, em 2019. Soube que poderia haver uma chance de estarmos presentes. Mas claro, nós apuramos o país… Para mim só foi real quando entrei no avião e viajei não sei quantas horas ate chegar a Tokyo. A experiência foi muito condicionada, não só pelo covid… é um sítio muito longe, não temos a família. Depois fiquei numa aldeia só de ciclismo, e não é a mesma coisa de estar numa aldeia olímpica, parecia que estava numa corrida normal.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
Voltou dos Jogos e pouco depois estava a correr a 1ª edição da Volta a Portugal Feminina, algo que aconteceu “espontaneamente e muito já em cima da hora”.
Corria pela Velo Performance/JS Campinense na estrada e estava escalada como suplente para a prova, até porque pensou “que nunca na vida ia querer fazer a Volta depois dos Jogos”. Fez, ganhou, e levou a amarela ao ciclista mais velho da família:
Sinceramente, ia sem nenhuma expetativa. Na primeira etapa, era uma chegada ao sprint, e eu pensei que ia ficar no pelotão, até porque nos tínhamos uma sprinter. Mas aquilo passava uma subida na Arrábida e o pelotão partiu, e quando dei por mim estava na frente e fiz terceiro. E aí comecei a pensar… estou na discussão da corrida. No segundo dia partimos com outra mentalidade, tinha as meninas a ajudar-me e consegui ganhar a etapa. E foi a partir dai que o sonho começou. O meu avô estava bastante doente e eu queria muito ganhar a Volta para lhe entregar a camisola. No dia seguinte foi o contrarrelógio, não havia diferenças porque tinham sido chegadas ao sprint. Infelizmente a outra rapariga teve uma queda e eu ganhei o contrarrelógio. Vesti de amarelo e no último dia chegamos as duas juntas, e eu ganhei.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling

Salto para os grandes palcos
Em 2022 deixa a estrada para cumprir um “sonho”:
Em 2021 depois da Volta, fui a uma corrida de BTT na taça do mundo nos EUA e assinei o meu contrato profissional com a MMR Factory Racing que na altura foi para mim um sonho tornado realidade, eu queria muito estar naquela equipa. Deixei de competir na estrada e dediquei-me única e exclusivamente ao BTT.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
Rumou à BH Coloma duas épocas depois:
O sonho de viver tudo aquilo, de estar numa das melhores equipas do mundo à beira das estrelas. Por exemplo o ano passado, poder conviver com o David Valero e com o Carlos Coloma, ir ver os circuitos com ele, correr com aquele equipamento da BH, foi um sonho poder vivenciar tudo isto. Foram anos muito bons na minha vida e só estou agradecida a eles por terem acreditado em mim e no meu talento.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
Mas Raquel Queirós sentiu o reverso da medalha na elite do pelotão mundial. Sem receio de falar da pressão dos resultados, a ciclista conta que trabalha com um psicólogo desde Tokyo 2021, algo que “faz muita diferença”.
De um momento para o outro aquilo torna-se o nosso emprego, o nosso trabalho, e estavam a pagar-me para obter resultados. Então… Até um certo ponto acabas por não desfrutar tanto assim… É uma pressão que pões em ti próprio, porque os resultados têm de aparecer, uma pessoa apostou em ti e está a apostar para tu renderes, e tu tens de render. Há esse ponto que se calhar não é tao positivo.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
No fim de 2024 deixou de se focar exclusivamente no XCO, mas antes disso, outro momento de destaque: Jogos Olímpicos de Paris 2024.
Competiu na sua segunda edição da prova, que considerou “a verdadeira experiência dos Jogos”. Tudo começou na preparação, feita com “mais carinho, mais tempo, com mais dedicação”, e a sentir-se “mais preparada não só fisicamente, mas também emocionalmente”.

2025 é ano de mudança para Raquel Queirós
Ano de transição para Raquel Queirós que traz novidades das grandes. Vai voltar à estrada, pela mão da AtumGeneral/Tavira/SCFarense. Mas há mais: A ciclista portuguesa vai começar a sua própria equipa de BTT para correr na Taça do Mundo:
Este ano quis fazer algo diferente. Quis ser patroa de mim mesma, e decidi criar uma equipa de BTT minha, que ainda não anunciei, mas acho que tinha ficado subentendido, mas pronto. Vou correr na minha própria equipa de BTT, e decidi que o melhor seria aliar-me a equipa de estrada, tive algumas opções, mas decidi-me pelo Tavira. Acho que é uma equipa onde estarei feliz, isso é o mais importante, encontrar a felicidade na competição, e acho que isso vai acontecer.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
Um projeto em família, lançado com o namorado e o irmão, que vai contar com o apoio de “alguns patrocinadores, e da Specialized” – marca de que é embaixadora em Portugal.
Os objetivos “passam por fazer o melhor possível na Taça do mundo, que vou fazer algumas. Ser campeã nacional de XCO e XCC, e mais uma ou outra corrida a nível nacional ou internacional”.
Na estrada, poucas expetativas, até porque “tudo o que vier será positivo” em ano de reentrada no pelotão. Mudanças importantes para uma ciclista que quer “acima de tudo, ser feliz e estar feliz em cima da bicicleta”.
Sem grandes alterações na preparação depois do salto para a estrada, faz uma autoanálise: “Acho que serei um ciclista de clássicas, talvez. Não sou rápida, também não sou trepadora… Acho que serei uma sprinter para grupos restritos”.

O futuro e o ciclismo feminino em Portugal
Para terminar, algumas reflexões. Numa altura em que o ciclismo feminino está em ascensão, Raquel Queirós acredita no trabalho feito por equipas, ciclistas e Federação para imitar a tendência global em Portugal, apesar da “falta de dinheiro” e de patrocinadores continuar a ser um problema.
Como referências no pelotão nacional, aponta Maria Martins, uma “amiga” que foi “inspiração” para a Raquel Queirós.
Em relação ao futuro, vai à procura da felicidade. Há cinco anos, em entrevista, tinha afirmado que o objetivo para os próximos 10 anos era competir regularmente em Taças do Mundo. O Topcycling convidou, como nota final, a fazer uma reflexão sobre o percurso até ao momento:
Entretanto já fiz isso tudo (risos) mas é bom sinal. Acho que viver do ciclismo já não é tao difícil, porque a Raquel do presente consegue viver do ciclismo, e isso é muito bom. Acho que a Raquel de há cinco anos atrás estaria orgulhosa do que fez até aqui. Agora não sei o que o futuro me reserva, e lá está… O que virá eu acho que será bom, e espero que me traga felicidade.
Raquel Queirós em entrevista ao TopCycling
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Créditos da fotografia de destaque: Rodrigo Vicente