Os pais são treinadores e as filhas pedalam rumo ao alto rendimento no ciclismo. O TopCycling foi conhecer o método Isidoro.
Daniel Isidoro esteve ligado ao ciclismo até ao escalão sub-23 e um dia desencantou-se. Nem a metodologia nem a mentalidade da época o motivaram a fazer carreira.
Chegou mesmo ao ponto de desligar da modalidade. Nem provas na televisão conseguia ver até que um dia o destino trocou-lhe as voltas.
Daniela, a mais velha das três filhas, sofreu uma pneumonia e para evitar sequelas teve que fazer fisioterapia respiratória. Era vital praticar desporto e foi assim que o ciclismo reentrou na vida dos Isidoro.
Viver para o ciclismo
Foi o talento de Daniela que obrigou os pais a organizarem-se e assim nasceu o Clube D’Helvetia, com sede na Quinta do Anjo (Palmela).
Em 2024, mesmo com um plantel curtinho, obtiveram 30 pódios em todas as categorias.
De repente já não era só Daniela, também as irmãs Raquel e Mariana começaram a pedalar e os Isidoro passaram a viver para o ciclismo.
“Nunca contabilizei quanto é que isto nos tem custado. Encaro como um investimento, como a transmissão de hábitos de vida saudáveis. Enquanto praticam desporto as miúdas têm menos probabilidade de ter comportamentos desviantes.”
Daniel Isidoro ao TopCycling.
Uma família que vive de prova em prova
O pai também é treinador e está a terminar o grau três. A mãe, Sónia, tem o grau dois. São os pilares de uma família que vive de prova em prova.
Nesta segunda etapa no ciclismo, Daniel aplica uma metodologia baseada em dados e ciência inspirada pelo trabalho de Pedro Vigário (selecionador nacional de BTT e ciclocrosse) e Ana Vigário (antiga selecionadora nacional feminina de estrada).
O objetivo é dar às filhas experiências de vida enriquecedoras e ao mesmo tempo levá-las a competir em contextos que nada têm a ver com Portugal. Daniela e Raquel sabem o que é fazer a mini Paris-Roubaix, o Tour de Assen e competem regularmente na região do Benelux.
Curso intensivo para jovens atletas
Os Países Baixos são a grande potência do ciclismo feminino, a Bélgica tem a superestrela Lotte Kopecky e o Luxemburgo é a pátria de Elsy Jacobs, primeira mulher campeã do mundo.
Daniel Isidoro está no terreno, conhece as provas do ciclismo de formação e o sistema de trabalho das potências do Benelux.
Porque é que estas corridas são um curso intensivo para jovens atletas?
“No Tour de Assen, por exemplo, as etapas não são exigentes em termos de terreno, mas são em termos técnicos. As miúdas começam a conhecer todo o tipo de sensações e cenários do ciclismo: empedrado, estradas estreitas, vento lateral, rampas curtas para obrigar a trabalhar o correto escalonamento das velocidades, experiência de contrarrelógio com partida em rampa. São sete dias seguidos de competição. É o sítio onde tens que estar para se fazer um trabalho estruturado em termos de trabalhar a técnica e o esforço continuado. Existe para as categorias masculinas e femininas desde sub-7 até sub-19. É um misto de clubes e seleções nacionais do mundo inteiro. Depois as miúdas que chegam ao WorldTour têm a adaptação facilitada. É importante medir VO2 max e lactato, mas não te ensina a andar de bicicleta.”
Daniel Isidoro ao TopCycling.
Raridade no ciclismo nacional
Vamos então às apresentações das irmãs Isidoro.
- Daniela tem 18 anos, estuda Direito, é sub-23 de primeiro ano e tem dotes de trepadora. Fechou a etapa de juniores com 20 vitórias em dois anos. Juntou-se à Baloise WB Ladies em 2023. Este ano destaque para as vitórias no segundo prémio João Almeida, na Taça do Algarve e foi 3.ª no Skoda Festival do Luxemburgo.
- Merci Baloise WB – Ladies
- Raquel é cadete de primeiro ano, roladora e defende-se na média montanha. Um estágio e dois pódios no Luxemburgo e na Bélgica valeram a entrada na Baloise WB Ladies. Este ano venceu várias provas e foi 3.ª no Nacional sub-15.
- Mariana competiu este ano em provas sub-11 e já venceu duas vezes o Encontro Nacional de Escolas de Ciclismo, prova de referência para aspirantes a ciclistas.
A Baloise WB Ladies é uma equipa sediada na Valónia e está ligada à Pro Team masculina Bingoal WB. Já faz provas UCI, mas quer dar o passo para o profissionalismo. A diretora, Ludivine Henrion, é comentadora da RTBF (televisão nacional belga) e foi campeã nacional em 2007 e 2009.
As irmãs Isidoro são uma raridade no ciclismo nacional ao estarem desde tão cedo integradas numa estrutura internacional direcionada para o alto rendimento. Para se colocar as coisas em contexto, em 2025 Portugal terá uma corredora no WorldTour (Maria Martins na Canyon-Sram) e outra no escalão Continental (Daniela Campos na Eneicat CM).
O panorama de uma mulher ciclista em Portugal é desanimador. Enquanto o resto do mundo avança, por cá o investimento privado é reduzido, não há provas com transmissão televisiva, as atletas são amadoras e a taxa de abandono assusta.
Basta passar os olhos pelos últimos Nacionais onde na prova de fundo se juntaram todas as categorias femininas para formar um pelotão com 35 elites, 16 juniores, 17 cadetes e 25 masters.
Uma família que respira ciclismo
A tudo isto há que acrescentar um pormenor: além de treinar as filhas, Daniel treina alguns dos juniores mais talentosos da Europa na Cannibal, equipa satélite da Bahrain, que conta ainda com a Friuli Victorious no escalão sub-23.
Francis e Erika Van Mechelen fundaram a Cannibal, por onde passou a filha Gloria – colega de Daniela na Baloise – e o filho Vlad – assinou pela Bahrain após passar pela DSM. A ponte entre os Isidoro e os Van Mechelen foi o talento dos filhos, de resto conheceram-se numa prova.
Uma família que respira ciclismo. Se as irmãs Isidoro chegarão ao ciclismo profissional só o futuro o dirá, mas são a prova de que com esforço, vocação e apoio da família não há impossíveis.