Ser (mãe) ou não ser?

Ser (mãe) ou não ser?

De Maria Martins a Vera Vilaça. Do WorldTour às Continentais. O TopCycling ouviu as portuguesas sobre a maternidade no ciclismo feminino.

A maternidade é um tema sensível para a maioria das atletas de alta competição já que engravidar implica uma pausa na carreira. O que antes levava à retirada precoce tem vindo a ser normalizado no pelotão WorldTour

Desde que foi criado em 2016 o máximo escalão feminino duas campeãs do mundo foram mães: Lizzie Deignan e Chantal van den Broek Blaak, ambas publicamente apoiadas por Trek-Segafredo e SD Works.

Em fevereiro de 2021, numa tertúlia promovida pela revista Rouleur, Deignan contou um episódio que demonstra o muito que há trabalhar para normalizar a maternidade no ciclismo.

Tive uma conversa com as miúdas da equipa acerca da gravidez. Da minha perspetiva a decisão era completamente minha de começar uma família. Faço parte da equipa, mas também sou um ser humano e estou autorizada a ter estas decisões pessoais. Mesmo conversando com mulheres da minha equipa, elas viram como uma traição ao contrato porque fiquei grávida sabendo que tinha um contrato. (…) Penso que um homem no meu desporto não sente que está a trair a equipa se decidir começar uma família.

Lizzie Deignan à Rouleur.

Desde então registou-se uma certa evolução. Elinor Barker tinha acabado de se comprometer com a Uno-X quando descobriu estar grávida; a equipa respeitou o contrato com a britânica e há dias renovou-o por mais quatro temporadas!

Jovem geração portuguesa opina sobre o tema

A licença de maternidade e a instituição de um salário mínimo foram pilares que a UCI definiu quando criou o WorldTour feminino. Portugal só tem uma corredora no máximo escalão: Maria Martins (23 anos) chegou este ano à Alpecin-Deceuninck.

Ao TopCycling Tata Martins conta que “existem algumas equipas, ainda que poucas, capazes de auxiliar as atletas durante o período da maternidade e algumas delas não aceitam/apoiam essa questão. Não há muitas equipas que gostam e apoiam as atletas no processo de maternidade. As do WorldTour têm mostrado o quão importante isso é para uma mãe ciclista, para conseguir ser mãe sem ter de terminar a sua carreira”.

Na categoria Continental, logo abaixo do WorldTour, há 59 equipas. Neste patamar estão seis portuguesas e todas em projetos baseados em Espanha.

Mariana Líbano (19 anos) corre pela Soltec e é o reflexo de uma geração que vê o tema com menos receios do que a anterior.

Penso que após a criação desta legislação as atletas se começaram a sentir mais à vontade para falar com os seus diretores de equipa acerca do futuro que gostariam de planear. Num futuro próximo acredito que se possa encarar com naturalidade o facto de mulheres que compitam em alta competição possam fazer uma pausa para serem mães, e, posteriormente, retomar o seu percurso desportivo.

Mariana Líbano ao TopCycling.
Beatriz Pereira é uma das caras da nova geração do ciclismo nacional.
Créditos: Bizkaia-Durango

Fazer do ciclismo uma profissão a tempo inteiro

Em novembro de 2022 entraram em vigor medidas para facilitar a conciliação da maternidade com o ciclismo de alta competição. Por exemplo, caso uma atleta engravide a equipa pode inscrever outra corredora (sem contrato) em qualquer período do ano.

Beatriz Pereira (19 anos) corre pela Bizkaia-Durango. “Na minha vida ainda é complicado definir um plano porque nem sequer estou no WorldTour. É incrível a força e capacidade da Lizzie Deignan, da Marta Bastianelli e da Elinor Barker de pausar a carreira para ter filhos. Nem todas as atletas se podem dar ao luxo porque precisas de ter um certo estatuto como atleta e mesmo assim nem todas as equipas estão suficientemente evoluídas”, analisa.

O debate é recente há temas prioritários para quem corre em equipas Continentais – reguladas pelas federações nacionais e não pela UCI como as WorldTeams. O primeiro tópico na ordem de trabalhos da segunda divisão é a estabilização dos salários.

Quem recebe é mal pago e uma fatia importante do pelotão paga para correr. Criar condições para fazer do ciclismo uma profissão a tempo inteiro é prioritário para as jovens ciclistas.

Competir depois da maternidade é, na minha opinião, uma opção pouco atrativa. Além das limitações fisiológicas de te recuperares, acabas por viajar muito e passar pouco tempo em casa. Muitas vezes os pais também são ciclistas e têm o mesmo estilo de vida, o que implica que um deles abdique da carreira como foi o caso dos Deignan.

Beatriz Pereira ao TopCycling.
Vera Vilaça estreia-se no WorldTour em plena Vuelta após fazer a transição do triatlo para o ciclismo.
Créditos: Charly Lopez

Receio das repercussões

Beatriz Roxo (19 anos) corre pela Cantábria Deporte-Rio Miera. “Nunca pensei e refleti sobre isso uma vez que não é um dos meus objetivos de momento. No futuro tenho a intenção de realizar esse sonho de ser mãe. Os planos de fazer pausa, etc., virão no momento porque irá depender do cenário em que me encontrar (tipo de equipa, objetivos, condições tanto para mim como para a futura criança). Precisa de ser muito pensado e ponderado e é muito variável mediante o cenário em que me encontrar.

Das atletas portuguesas a correr em Espanha este ano é Vera Vilaça a mais velha aos 25 anos. A antiga campeã nacional de triatlo assinou esta época pela catalã Massi-Tactic.

Quero ser mãe, mas é um tema em que ainda não penso muito. Gostava de terminar a carreira desportiva antes de ser mãe, mas admiro muito as atletas que têm a coragem de fazer uma pausa para ter filhos e voltam a competir ao mais alto nível, conjugando a vida familiar com o ciclismo profissional. Acredito que muitas ciclistas não façam pausas para serem mães pelo receio das repercussões que isso possa vir a ter no futuro das suas carreiras.

Vera Vilaça ao TopCycling.

A jovem geração portuguesa opina sobre o tema e só isso já é notícia. Finalmente o debate sobre ciclismo e maternidade está em cima da mesa e não mais será varrido para debaixo do tapete.

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