Na etapa 4 do Giro de Itália recordamos Wouter Weylandt numa crónica assinada por Bruno Pires, colega do belga na Leopard Trek.
“Ti amo” é um espaço de amor à cultura italiana e ao Giro. É também uma música de Umberto Tozzi. Proponho 21 histórias para 21 etapas.
O dorsal 108 foi retirado do Giro de Itália há 12 anos após o acidente sofrido por Wouter Weylandt na descida do Passo del Bocco.
Na edição passada a corrida voltou a passar no local assinalado pela família Weylandt como “maldito”. Foi ali que acabou a vida de Wouter, numa etapa entre Parma e Génova a 9 de maio de 2011.
O apelido Weylandt não deixou de estar ligado ao pelotão profissional. Elke, irmã de Wouter, é diretora de comunicação da Trek-Segafredo. É curiosa a relação com o ciclismo dos que perdem seres queridos em competição – também Britt Lambrecht, irmã de Bjorg trabalha como nutricionista na Lotto. Talvez nestes casos a proximidade com as equipas dos irmãos ajude no processo de luto e a seguir em frente.
Bruno Pires correu esse Giro ao lado de Wouter Weylandt na Leopard Trek. O atual diretor da Glassdrive/Chanceplus/Allegro assina as próximas linhas em jeito de homenagem.
“Já são 12 anos, o tempo passa a voar. Foram dias bastante duros. Estás no autocarro de manhã ao lado de um colega e chegas à tarde, vês as coisas dele e sabes que ele nunca mais vai estar ali. É algo que te provoca um choque. Ao mesmo tempo ficas a pensar: ‘Foi ele, mas podia ter sido eu.’
Saber que um ser humano perdeu a vida é sempre muito duro. Depois veio a família no dia seguinte e a namorada do Wouter estava grávida. Lembro-me que a mãe da minha filha também estava grávida nessa altura e mais ou menos com o mesmo tempo… uma série de semelhanças que realmente têm um impacto brutal.
Também havia a frustração de ser a minha primeira grande Volta e ter que sair prematuramente. Foi um golpe porque sonhas em terminar a primeira grande Volta e não foi assim. É o de menos comparado com perder uma vida, que essa nunca mais volta, e eu tive depois oportunidades de fazer Vuelta, Giro e terminar.
“O que é que se está a passar aqui?“
Foram dias muito complicados porque ficas destroçado, não percebes o porquê de acontecer a ti, à tua equipa, uma equipa tão jovem no primeiro ano. Com união, com aceitação as coisas voltaram ao seu normal funcionamento – se é que se pode dizer que alguma vez se normalizou.
Passado alguns dias acabou por acontecer a mesma coisa com um grande amigo meu, o Xavier Tondo. São fases em que dizes: “O que é se está a passar aqui?”. Momentos em que não podes fazer nada. Tens que aceitar e valorizar a vida sabendo que de um momento para o outro tanto podes estar como deixar de estar.
Esse é mesmo o ponto: viver a vida e agradecer cada dia por estar aqui porque há outros que não tiveram esse destino. O Wouter Weylandt era uma pessoa extremamente tranquila, muito no mundo dele. Por vezes nem davas conta de que estava ali porque era uma pessoa serena. Era um excelente ciclista e um bom ser humano.
Foi um episódio bastante duro, se calhar o mais duro que tive na minha carreira desportiva. Viver a perda de um ser humano que veste a tua camisola. Ele e os que partiram devem ser relembrados porque eram excelentes seres humanos e marcaram as gerações deles… Pelos seus resultados e também pela forma como nos acabaram por deixar.”
O TopCycling agradece ao Bruno Pires a coragem de fazer algo que ainda é tabu no desporto profissional: falar acerca das emoções. Bruno Pires foi ciclista profissional entre 2002 e 2016; cumpriu o sonho de terminar o Giro (em 2012) e a Vuelta (em 2013).
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