Entrevista a Bruno Pires – Director desportivo da Sicasal Glassdrive feminina

Entrevista a Bruno Pires – Director desportivo da Sicasal Glassdrive feminina

No dia em que arranca a 2.ª Volta a Portugal Feminina, entrevistámos Bruno Pires, director desportivo da equipa mais recente do grupo Fullracing, a Sicasal Glassdrive feminina.

Bruno Pires foi ciclista profissional no mais alto patamar do ciclismo mundial, o World Tour, em equipas como a Leopard-Trek ou a Tinkoff-Saxo.

Actualmente está à frente do projecto Sicasal Glassdrive feminina, equipa formada em Dezembro de 2021 e que se estreia na Volta a Portugal.

Entrevista

Luís Beltrão (L.B.) – Como vês o ciclismo feminino em Portugal, um país onde até no ciclismo masculino é difícil trabalhar e manter os projectos vivos?

Bruno Pires (B.P.) – Com a criação da Volta a Portugal feminina no ano passado nota-se que o ciclismo feminino está a crescer, temos 5 provas da taça de Portugal, mais os campeonatos nacionais, sendo que a Volta a Portugal é o principal objectivo das equipas porque é uma prova por etapas que dá mais visibilidade.

No entanto, como acabaste de mencionar muito bem é realmente difícil ter uma equipa feminina, porque embora os patrocinadores neste momento já comecem a pedir às equipas para terem uma equipa feminina, porque cada vez há mais praticantes femininas e porque também elas são consumidoras, neste momento passamos por um processo de transição no qual a Fullracing criou para já uma equipa só de elite, não temos outros escalões, ou seja a ideia é ter mesmo uma estrutura mais ou menos profissional, com condições de uma equipa profissional, mas não é fácil ter estes projectos na estrada, hoje em dia apercebo-me da dificuldade que o ciclismo tem para estar na estrada.

L.B. – O projecto Sicasal-Glassdrive é um projecto a quanto tempo? Os patrocinadores deram-te objectivos? 

B.P. – Quando falei com o Carlos Pereira, que é o dono da equipa, a ideia dele é de profissionalizar o ciclismo feminino, e de certa forma já o estamos a conseguir pois estas atletas todas trabalham com uma plataforma de treino que é a Trainingpeaks, onde coloco os treinos e analiso, também a parte da alimentação é controlada por mim, ao nível da estrutura temos massagistas e mecânicos, ou seja queremos dar-lhes as condições e expeirência de uma equipa profissional.

Este é um ano de início, porque iniciámos o projecto em Dezembro de 2021, mas o objectivo é ser um projecto de futuro porque o ciclismo feminino vai obrigar a isso mesmo, estamos a dar os primeiros passos para um ciclismo feminino mais profissionalizado como se está a ver lá fora, mas agora estamos onde temos que estar, para nos desenvolvermos a todos os níveis.

L.B. – Tendo em conta que uma grande parte das atletas pratica outras disciplinas do ciclismo durante o ano (BTT, Ciclocrosse ou Pista) porque é que a Sicasal Glassdrive não apoia também as atletas nessas vertentes? Ou seja, serem atletas da equipa todo o ano, mesmo praticando outras disciplinas do ciclismo.

B.P. – Tudo depende das estratégias das equipas, neste caso os projectos da Fullracing, tanto a equipa Sicasal Glassdrive feminina, como a equipa masculina Glassdrive-Q8-Anicolor, como as escolinhas, são projectos de Estrada e a nossa aposta é o ciclismo de estrada. De cara ao futuro queremos uma equipa muito mais direcionada apenas mesmo ao ciclismo de estrada, com o objetivo de ter disponibilidade de atletas para podermos fazer corridas a nível internacional, porque esse também é um dos objectivos da equipa, dar experiência competitiva internacional para que estas atletas estejam melhor preparadas.

Se tivermos a maioria das atletas a competir em BTT, muitas vezes eu não as tenho para as levar a competir a Espanha ou noutros países da Europa, então o objectivo no futuro é que as atletas que estejam connosco se dediquem maioritariamente à estrada, e se fizerem alguma corrida de BTT será sim pela nossa equipa, analisando a situação, mas o objectivo é profissionalizar o ciclismo feminino de estrada.

L.B. – Embora vocês já tenham uma estrutura profissionalizada, como referiste, com a questão do Trainingpeaks, dos massagistas, estas atletas não se dedicam só ao ciclismo, certo?

B.P. – Sim neste momento, pelos dias de competição que têm, e tendo em conta que a época termina em Julho, estas atletas têm que ter outra actividade profissional, tal como eu, a ideia será conseguir ter mais ajuda, embora já dêmos ajuda ao nível das deslocações, dormidas, alimentação, suplementação, que não sei se há muitas equipas a fazerem este tipo de trabalho.

Ainda andam com as suas bicicletas porque não conseguimos esse apoio este ano, em virtude da escassez de material que existe no mercado, mas temos um patrocinador que é a Carbon Team, uma empresa portuguesa que fabrica quadros em carbono em Portugal, e esse será um dos nossos objectivos, poder proporcionar também as bicicletas para que as nossas atletas corram todas com a mesma bicicleta.

L.B. – Elas estarão certamente motivadas, pois grande parte está ligada à competição além do ciclismo de estrada, mas como se trabalha a motivação destas atletas e como se gere o treino delas, tendo em conta que não se dedicam só ao ciclismo?

B.P. – Tocaste num ponto muito importante que é a parte emocional, eu quando deixei de correr, também por necessidade pessoal enveredei pelo caminho de estudar as emoções, do autoconhecimento, desenvolvimento pessoal, comportamentos humanos, e actualmente faço muito esse tipo de trabalho com as atletas, sessões de coaching, não coaching desportivo mas sim life coaching, no qual abordamos o objectivo, limitações, os diálogos internos, ou seja todo este entorno que limita o atleta através da mente, eu trabalho com elas.

Algo que me dei conta há uns anos é que queria evoluir este desporto, que foi o meu durante muitos anos, na parte emocional porque acho que há uma lacuna nessa parte, por isso é que há atletas que abandonam a carreira precocemente, outros que têm alto desempenho numas equipas e mudando de equipa mudam radicalmente o rendimento, e acredito que é algo que está ligado a este campo, então este é um tipo de trabalho que fazemos muito nesta equipa, porque antes de serem ciclistas temos seres humanos, só depois vem o ciclista.

Com o treino, através da plataforma Trainingpeaks conseguimos saber os vários dados de treino, descanso e desempenho para evoluir as atletas. São estas as principais ferramentas que utilizamos para gerir treino e motivação.

L.B. – Do ponto de vista competitivo e do resultado final, se te pedisse para atribuir uma percentagem à mente do atleta e ao treino físico do atleta, que percentagem atribuirias a cada uma?

B.P. – Quando era Júnior já se falava um pouco nisto, e eu na altura atribuía uns 70% à parte física, e uns 30% à parte mental, porque nós nestas idades estamos cheios de força, a vida para nós é uma festa e as coisas saem facilmente, quando passei a Sub-23 já estava a linha nos 50/50, 50% parte física e 50% parte mental, e depois como profissional já colocava uns 70% na parte emocional e 30% na parte física, porque o que comanda o corpo é a mente, e não o inverso.

Nós podemos ter um grande motor e uma grande condição física, mas se mentalmente e emocionalmente não estamos bem, o que acontece é que não vamos treinar igual, não nos vamos alimentar bem nem vamos descansar bem, porque está tudo ligado.

Os atletas, por vezes acabamos por nos sentir vazios porque não podemos ter uma vida social normal, e neste regime acabamos por nos refugiar muitas vezes na alimentação, acabamos por comer demasiado, não por fome mas sim pela parte emocional, e é isso que eu acho que é importante as pessoas perceberem, que a parte emocional é a chave para ter um melhor rendimento.

L.B.Quais são os vossos objetivos para esta 2.ª Volta a Portugal feminina?

B.P. – O objectivo principal é darmos uma imagem da equipa e dos patrocinadores. Quando partimos para este projecto, querendo ter uma equipa o mais profissional possível, o objetivo é que tanto em corrida como fora dela tenhamos uma imagem profissional.

Depois é chegar ao final com a consciência de que fomos a nossa melhor versão, e que demos tudo o que podíamos nesta corrida.

Ao nível dos resultados, temos que ter em conta que é uma equipa jovem, não na idade das atletas mas no tempo de existência do projecto, relembro que em Dezembro de 2021 não havia nada, eu não fiz uma equipa com nomes, fiz uma equipa com a disponibilidade que havia na altura e já conseguimos fazer um pódio na taça de Portugal.

É óbvio que todos nós gostamos de ganhar, e eu como atleta que fui é óbvio que isso me está no sangue e quero fazer resultados, no entanto não lhes coloco uma pressão de terem que ganhar mas sim de serem a melhor versão delas, e que cheguem ao final com a consciência tranquila de que não podiam fazer mais. Isto dá-lhes um impulso diferente do que lhes colocar a pressão de ganhar.

Ainda assim, temos uma atleta Sul Africana que faz muita pista, que é a Cláudia Gnuti, e penso que tanto no prólogo, como na chegada a Torres Vedras ela pode ter uma palavra a dizer.

Temos a Cristina Pulido, que era líder da taça de masters em Espanha e que está muito motivada para esta Volta a Portugal, temos a Tânia Lima que tem tido um bom desempenho na taça de Portugal, a Jéssica Costa é uma experiente do BTT e também tem bastante qualidade, a Leandra que anda bastante bem na montanha, a Filipa Fidalgo que se tem dedicado muito e acredito que vá andar bem e a Ana Fernandes que no ano passado já participou na Volta a Portugal e que acredito que também estará ali com as melhores.

Temos um grupo e uma equipa que trabalhará como equipa, depois as contas fazem-se no domingo.

L.B. – Na tua opinião, daquilo que conheces das equipas, qual ou quais as equipas favoritas a vencer esta Volta a Portugal feminina?

B.P. – A nível da equipas estrangeiras não tenho informação sobre como são as equipas, a selecção catalã tem sempre boas atletas, a nossa selecção nacional também, há uma equipa portuguesa que é a Velo Performance que tem estado a andar muito bem, a Maiatos também tem estado bem na taça de Portugal, mas vai ter que se perceber qual é a estratégia de cada equipa.

L.B. – Acreditas que a Taça de Portugal foi um bom barómetro, e que a volta a Portugal vai ter as mesmas protagonistas?

B.P. – Sim, porque afinal de contas têm sido corredoras muito regulares durante todo o ano e são normalmente as mesmas que estão na discussão, pelo que não vejo razão de na Volta a Portugal não serem as mesmas, agora temos que ver a performance e nível das equipas estrangeiras, que confesso não conhecer a fundo.

Acredito que as equipas portuguesas têm fortes hipóteses, mas temos que ver como se vão apresentar as equipas estrangeiras.

Fim entrevista.

A segunda edição da Volta a Portugal Feminina Cofidis disputa-se entre quinta-feira, 16 de junho, e domingo, dia 19, um pelotão de 107 ciclistas distribuídas por 17 equipas.

O início será em Loures, local do prólogo de 2,9 quilómetros, a disputar-se hoje a partir das 16h00.

A primeira etapa em linha, amanhã, vai ligar Vila Franca de Xira a Torres Vedras, ao longo de 87,6 quilómetros.

No Sábado a tirada será de 78 quilómetros, entre Monte Redondo (Leiria) e Ourém.

A última etapa, no domingo, liga Aveiro a Anadia, num percurso de 104,7 quilómetros.

Acompanhar a equipa

Para seguir a equipa Sicasal-Glassdrive feminina, deixo o link das suas redes sociais: O seu Facebook AQUI , Facebook da academia Fullracing AQUI, site do grupo Fullracing AQUI.

Por: Luís Beltrão

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