Entrevista do TopCycling a Biniam Girmay que já aponta à vitória no Tour de France e ao Mundial de Glasgow.
Biniam Girmay é discreto. Toma um café ao balcão enquanto espera junto aos colegas que a apresentação da Intermarché-Circus-Wanty comece. Procura passar despercebido, mas não se esconde. Sabe que as câmaras apontam a ele, que os patrocinadores querem uma foto e os jornalistas um bom título.
O TopCycling não perdeu a oportunidade de estar uns minutos com o maior ciclista africano da atualidade, um talento que começou no Centro Mundial do Ciclismo, saltou para a Delko e foi recrutado pelos belgas da Intermarché-Circus-Wanty.
Quando a equipa francesa colapsou em meados de 2021 talvez a Intermarché não imaginasse que ia fazer a melhor contratação da sua história. Biniam Girmay tinha 21 anos e só tinha vencido em provas no Gabão e no Ruanda, com uma exceção: quando era júnior ganhou uma etapa em Aubel, na Bélgica, despachando ao sprint Remco Evenepoel. Aubel fica na Valónia, um primeiro sinal de que o destino do eritreu e da Intermarché se iam cruzar.
Na Bélgica encontrou uma segunda casa. “Quando estou na Europa só sinto falta da família. Já levo seis ou sete anos na Europa, estou perfeitamente adaptado à cultura, aos comportamentos. Aos 17 anos mudei-me para a Suíça para a UCI [Centro Mundial do Ciclismo, em Aigle]”, recorda Bini, como lhe chamam na equipa.
Se quando bateu Evenepoel em juniores colocou os diretores do pelotão de olhos arregalados, quando sprintou pela medalha de prata no Mundial de Leuven, em 2021, já não havia nada a fazer. O vice-campeão mundial já pertencia à Intermarché-Circus-Wanty e é lá que vai ficar pelo menos até final de 2026: “Olhando para trás, a equipa esteve sempre unida, não só o staff, mas também os patrocinadores. Ver que estão contentes pelas vitórias é uma alegria para mim. Dá-me motivação e moral para trabalhar. Foi por isso que escolhi ficar, somos uma família.”
Veni, Vidi, Bini
Muito mudou nos últimos anos. Foi o sprinter do leste de África que permitiu à Intermarché-Circus-Wanty festejar a primeira vitória numa grande clássica do pavê e também foi Bini que vergou Mathieu van der Poel no Giro de Itália – onde nenhum ciclista africano negro jamais tinha conseguido ganhar.
As vitórias levaram a equipa a cunhar a expressão Veni, Vidi, Bini… brincando com a frase do latim Veni, Vidi, Vici, que significa Cheguei, Vi e Venci.
Durante a apresentação da equipa, em Albir (Alicante), o ambiente é informal. Hotel quatro estrelas discreto, sem luxos nem ostentação. A Intermarché-Circus-Wanty mantém-se fiel às raízes populares que a fizeram crescer de um pequeno clube para uma das cinco melhores equipas do mundo (5ª no ranking UCI em 2022).
Revivemos o triunfo na Gent-Wevelgem e a sala agita-se, os patrocinadores celebram como se fosse em direto. Biniam Girmay conta que “foi uma vitória inacreditável. Como ciclista o sonho é ser um grande corredor, ter o respeito do pelotão e ganhar uma grande clássica muda-te a vida”.
Agora é ele a estrela, o homem de referência e foi por ele que o diretor-geral, Jean-François Boulart, investiu em Mike Teunissen. O neerlandês chega procedente da Jumbo-Visma onde lançou Wout Van Aert para muitos triunfos e ainda vestiu a camisola amarela do Tour de France.
“Estou contente porque temos um bloco forte à minha volta com a experiência do Adrien Petit, do Mike Teunissen, ambos conhecem muito bem as estradas da Flandres. O Loic Vliegen também trabalha muito connosco. Sinto que a equipa está mais forte e por isso estou mais motivado para trabalhar. Considero que estamos mais fortes para as clássicas mais duras, porque vou tê-los comigo mais tempo ao meu lado.”
Este ano a parceria já rendeu uma vitória na etapa inaugural da Volta à Comunidade Valenciana. Até Rui Costa ajudou a preparar o sprint e Teunissen deixou Bini a 250 metros da meta. O resto foi pura potência do eritreu que deu uma bicicleta a Olav Kooij (Jumbo-Visma).
Herói da Eritreia e referência de África
Entre 3-13 de agosto a Escócia organiza o maior Campeonato do Mundo de ciclismo jamais realizado, distribuindo 13 títulos distribuídos por sete disciplinas em 11 dias.
Enquanto conversamos com Bini Girmay a conversa foge para os Mundiais. TopCycling pergunta se sonha com ser campeão mundial no Ruanda, em 2025? O eritreu ri-se e é rápido na resposta: “Se puder ganho já este ano em Glasgow! Claro que ser campeão do mundo no Ruanda, nos primeiros Mundiais em África, seria… [suspira] O principal que as pessoas vão perceber é que no Ruanda há muitos fãs de ciclismo, as pessoas estão muito contentes por receber os Mundiais e não gostam só de ver o Campeonato do Mundo, mas todas as corridas. É um grande sonho para toda a África.”
A corrida de fundo do próximo Mundial parte de Edimburgo e a meta está colocada em Glasgow. O circuito citadino será passado 10 vezes, numa prova com 277,6km e 3167m de acumulado. A volta é ao estilo de Biniam Girmay: 14,4 km, perfil técnico, subidas curtas e explosivas (193m de acumulado por volta) e final em descida até George Square.
Quase tão incrível como vestir o arco-íris seria ganhar uma etapa no Tour de France. Brincamos com Bini sobre o estatuto de herói da Eritreia e referência de África. As multidões que o recebem em cada regresso a casa.
Como será se ganhar no Tour de France? “Mesmo quando ganho corridas menos importantes as pessoas ficam doidas, posso imaginar o que aconteceria se ganhar no Tour de France. Será especial. As pessoas não esperavam uma vitória no Tour de France, mas agora estão mais conhecedoras acerca do ciclismo e sabem que vou participar”, conta o ciclista da Intermarché-Circus-Wanty.
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