Strade Bianche: Guia para viajar, assistir e pedalar pelo Sterrato da Toscana

Assim como fiz o ano passado na Paris-Roubaix, este ano fui assistir com um grupo de amigos à Strade Bianche. O que nos move não é só assistir à corrida profissional, é também participar no Granfondo, que nos permite passar nos mesmos locais que os nossos ídolos, sentir nas pernas “o filme” ao qual assistimos há tantos anos pela televisão.
Vídeo 1 – Pedalar pela Toscana e ver os profissionais
A Experiência de assistir ao vivo à Strade Bianche
Estar na Via Santa Caterina ou na Piazza del Campo é algo de surreal para quem, durante anos, assistiu pela televisão aos momentos do ciclismo ali passados.
Além dos vídeos do topcycling que publiquei neste artigo, o David Raquel captou estes momentos com a sua câmera e eternizou também no formato de fotografia a nossa experiência.

Enquanto aguardo por Tadej Pogacar e restantes guerreiros do Sterrato, olho para as barreiras que separam a multidão do local onde vão passar os ciclistas e penso: “Se não houvesse barreiras, como é que eles passavam aqui?”.
Mas depois também pensei que mesmo com as barreiras a separarem-nos, os melhores ciclistas do mundo passam tão perto que quase sentimos a deslocação do ar, entre os gritos de apoio dos fãs ainda ouvimos a respiração dos ciclistas. Fizemos parte daquilo que tantas vezes vimos pela televisão, fizemos parte do cenário e da atmosfera.

Com todo o respeito pelas restantes modalidades desportivas, não conheço nenhuma onde possamos partilhar, nem que seja por breves instantes, a modalidade com os nossos ídolos. Nenhuma onde possamos assistir à elite mundial daquele desporto a competir a menos de dois metros de distância, sem barreiras de vidro ou bilhetes VIP a separar-nos.

Não há outro desporto assim, que permita esta experiência sem pagar bilhete, nisto o ciclismo é único.
Siena Respira Ciclismo, mas não só
Já estive em Roubaix e posso-vos falar da diferença entre uma cidade que acolhe um monumento e outra que acolhe uma prova candidata a monumento daqui por uns anos.

Em Roubaix, a cidade parece alheia ao que ali se passa, fora da zona da prova, tudo segue o seu ritmo normal, sem grandes indícios de que o inferno do Norte está a acontecer. Além disso, a cidade em si (uma cidade industrial) não tem grande beleza ou locais para visitar.
Siena é exatamente o oposto. A cidade veste-se para o evento, como se o próprio ciclismo fizesse parte do seu ADN, lojas com bandeiras da Strade Bianche, montras decoradas com t-shirts do evento, lojas que nada têm a ver com ciclismo colocam bicicletas nas montras, restaurantes que exibem orgulhosamente o amor pelo ciclismo.

Respira-se a prova em cada rua quando passeamos pela bela cidade de Siena, que pela sua arquitetura já nos enche a alma de romance.

E depois há a Piazza del Campo. Magnífica, carregada de história, palco de tantas glórias – e não só no ciclismo.

A Toscana tem uma longa tradição equestre, e é aqui que se realiza o famoso Palio di Siena, uma corrida de cavalos que incendeia paixões.
Nem sabia que existia este evento, reparei numa fotografia colocada num dos restaurantes da Piazza del Campo, perguntei ao funcionário quantos anos tinha a fotografia (pensando que seria do tempo dos romanos) e ele responde-me que é recente, que existe aquela corrida de cavalos todos os anos.

Embora a Strade Bianche tenha origem noutra prova que era a L’Eroica, a corrida de ciclismo com a denominação Strade Bianche só existe desde 2007. O Palio di Siena (corrida de cavalos) existe desde o século XIII.

A “juventude” da Strade Bianche não impede que esta tenha o seu protagonismo, neste fim de semana também esta toma conta das ruas e da praça, o protagonismo é todo das bicicletas.
Granfondo Strade Bianche: Prova, inscrição, viagem, bicicleta e equipamento
No dia seguinte à corrida dos profissionais, chega a nossa vez. Sete mil inscritos, com inscrições esgotadas em uma hora, três meses antes. Conseguir inscrição foi algo parecido com conseguir um bilhete para um concerto dos U2 ou Coldplay!

Para quem pense em ir, aconselho que estejam em frente ao computador no momento de abertura das inscrições, se não der, é fazer “refresh” até conseguirem. Rezar um bocadinho também pode ajudar.
A inscrição custa cerca de 120€, inclui oferta de jersey e colete da prova, os italianos oferecem muito mais que os franceses do Paris-Roubaix Challenge, que não oferecem nada! Não é a oferta que me faz diferença, vou para viver uma experiência e pagaria na mesma, mas receber o brinde sabe sempre bem.
Depois do desgaste acumulado durante os 138 quilómetros e 2000 metros de desnível acumulado (do Granfondo), entrar na via Sta. Caterina, ver o apoio das pessoas, sentir nas pernas aquela subida e conseguir fazê-la a pedalar, torna a chegada à Piazza del Campo numa memória e experiência difícil de explicar.

É algo muito intenso e que só entende quem faz, mas que aconselho a quem gosta deste tipo de eventos.
Apesar de serem milhares de inscritos, acabamos por poder usufruir bem da experiência e a prova está bem organizada na minha opinião (ver vídeo).
Vídeo 2 – Granfondo Strade Bianche
Outros conselhos úteis que posso dar é marcar a estadia e os voos com antecedência, não só para garantir disponibilidade, mas também para evitar preços exorbitantes.
Que bicicleta e pneus levar? Alugar bicicleta compensa?
Se há prova onde vale a pena levar a nossa própria bicicleta, esta é uma delas. Quando se pedala em pisos específicos, como empedrado (no caso da Roubaix ou Flandres) ou terra batida neste caso, não se quer deixar a escolha dos pneus e da bicicleta a cargo de uma empresa de aluguer. Tendo isto em conta, para este tipo de provas eu prefiro levar a minha bicicleta.
Uma má escolha de pneus ou bicicleta pode arruinar toda a experiência. Eu levei uma Specialized Roubaix SL8 com pneus S-works Mondo 32mm., uma bicicleta fiável e eficiente mas que para mim, não era a melhor opção.

O sistema Future Shock é excelente para a brutalidade da Paris-Roubaix por exemplo, mas aqui é um peso extra e faz com que a frente da bicicleta seja mole nas subidas mais íngremes, quando pedalamos de pé.
Hoje em dia, com bicicletas que aceitam pneus 32mm ou 38mm, o próprio pneu já absorve grande parte das irregularidades (sem necessidade de outros mecanismos). Para esta prova, teria preferido uma bicicleta mais leve e com uma geometria um pouco mais agressiva, mas a Roubaix levou-me até à meta e isso nestas ocasiões é o mais importante.

Queres fotografias da prova? Paga
Quando saímos de Portugal, apercebemo-nos do alto nível que alguns organizadores de Granfondos têm no nosso país. Este Granfondo estava bem organizado, mas existem eventos em Portugal com o mesmo nível de organização, alguns até superiores!
A título de exemplo, partilho com vocês a questão das fotografias da prova. Em Portugal pagas uma inscrição (de valor muito inferior ao que paguei neste evento) e além do normal, que é o seguro, o dorsal, o percurso e uma refeição no final, podes ir às redes sociais e obter gratuitamente uma fotografia tua no evento.
Aqui, eles fornecem-te um código, entras numa plataforma onde tens todas as tua fotos durante o evento e caso queiras, pagas 21€ por uma fotografia, ou 50€ pelo pack completo.

Valorizemos o que é nosso, neste aspecto, Portugal é um paraíso. Deixo uma palavra de apreço aos organizadores nacionais e aos fotógrafos dos Granfondos em Portugal, bem hajam.
Luís Beltrão
Transportar a bicicleta no avião
O transporte da bicicleta no avião custou-me 120€ ida e volta. Uma boa mala de transporte é crucial para que a nossa máquina não chegue danificada, pois o tratamento da bagagem nos aeroportos, não é feito com mãos de veludo.
Usei uma mala EVOC Road Bike Pro, que considero uma excelente opção porque tem a parte superior rígida, protegendo bem os componentes, e permite transportar a bicicleta sem necessidade de desmontar o guiador, o que facilita bastante o processo de embalar e desembalar a bicicleta.

Créditos: David Raquel
Além disso, esta mala de transporte é bastante prática de manusear tanto nos aeroportos, como pelas ruas com pisos irregulares, nas ligações com o alojamento.

Aluguer de mala de transporte
Para quem não quer gastar uma fortuna numa mala destas (porque viaja pouco), há sempre a opção de aluguer – no meu caso, aluguei na Bike Village, uma loja Cervélo na zona de Lisboa que disponibiliza estas malas a um preço diário.
Pedalar na Toscana
Já pedalei em muitos sítios pelo mundo, mas pedalar na Toscana é uma experiência diferente. Cada curva que fazemos revela uma paisagem digna de um quadro renascentista, mesmo que não queiras, vais estar sempre de telemóvel na mão a fotografar.

Se queres fazer o Granfondo a competir (nem que seja contra ti, andar rápido e fazer o teu melhor sem ser a passear), faz um favor a ti próprio, reserva uns dias antes ou depois da prova para poder pedalar a passear (de preferência antes, porque assim podes fazer um pequeno reconhecimento aos sectores do Granfondo).

Créditos: Topcycling
Pedalar ali e poder desfrutar tanto da paisagem como da atmosfera da zona, a gastronomia, é algo único, se só pedalares no dia do Granfondo não vais usufruir tão bem de tudo isto. A glória não é só para quem ganha corridas, é também para quem termina uma pedalada e depois se senta com uma cerveja e uma fatia de pizza a saborear o momento.

Orçamento
Os preços podem variar, tendo em conta a antecedência com que se marcam as estadias e os voos, mas também se vais optar por transportes públicos ou aluguer de viaturas para te deslocares por lá, são tudo contas e planeamento que deves fazer.

No nosso caso, tudo foi planeado com mais de seis meses de antecedência, alugámos viaturas, alugámos uma casa e dividimos a despesa por todos (fomos um grupo de nove pessoas). Por exemplo, na Paris-Roubaix andámos de transportes públicos, mas desta vez chegámos à conclusão de que seria melhor alugar viaturas.
Entre viagens, inscrições, alojamento e refeições, o orçamento foram cerca de 900 euros, para quatro noites (cinco dias, de quinta a segunda-feira).

Tanto a Strade Bianche, como o Granfondo Strade Bianche são muito mais do que uma corrida, são uma experiência turística, uma viajem na qual vais usufruir mais além da bicicleta e das corridas. É um evento que nos permite estar incrivelmente próximos dos nossos ídolos, e que nos dá a oportunidade de viver a experiência pedalando pelos mesmos caminhos de sterrato onde os profissionais escrevem a história.

Se há um lugar onde o ciclismo se torna poesia é ali, foram momentos e memórias que vou guardar para sempre.

Espero com este artigo ajudar e motivar mais pessoas a fazerem o mesmo.