Giro de Itália: “Piano, piano arriviamo”

Giro de Itália: “Piano, piano arriviamo”

O Giro de Itália começou na Hungria, depois foi à Sicília e ao sexto dia levou-nos à Calábria, praticamente na ponta da bota.

Foram precisas oito etapas – com sete vencedores diferentes já que só Démare repetiu triunfo – e quase 1500 quilómetros percorridos para a classificação geral mexer a sério.

Nas grandes voltas é assim

Intermináveis jornadas na planície húngara, o Etna com famoso vento de frente que afugenta ataques e os dias de sprint onde demoramos cinco horas a atingir um clímax que dura menos de minuto, tudo isto é compensado por dias como o do Blockhaus.

Blockhaus, etapa de alta montanha das antigas

5000 metros de acumulado, quase 200 quilómetros e dupla ascensão a La Majella. Assim chamavam os residentes desta parte dos Abruzos ao seu gigante, até que Vincenzo Torriani – diretor do Giro de Itália durante mais de 40 anos teve a genial ideia de recuperar o nome original da montanha, que um comandante alemão batizou como Blockhaus na segunda metade do século 19.

“Blockhaus!” Só de ouvir faz estremecer qualquer um. Se a La Majella podemos ir de pic nic com os miúdos, no Blockhaus só encontramos sofrimento. Torriani tinha razão, vende muito mais a versão germânica.

O ciclismo é o desporto das redundâncias. Etapas entre localidades vizinhas que duram um dia inteiro, montanhas que servem de sala das torturas pelo sobe e desce constante.

A 9ª etapa acabou com uma subida ao Passo Lanciano (1308 metros) pela vertente menos dura de Fara Filorum Petri, levou depois os corredores a descerem, apenas para voltarem a subir por um caminho mais extenso e inclinado até aos 1664 metros no topo do Blockhaus.

João Almeida perdeu a inocência em 2020. Quinze dias de “maglia” rosa são o equivalente a aprender inglês, francês e chinês num curso intensivo de verão. E pelo meio tirar a carta de condução. Já não se deixa enganar pelas artimanhas do velho Torriani. Almeida sabia que mesmo com nomes diferentes tinha pela frente dois Blockhaus.

Em 2020 a Pantera das Caldas também aprendeu outra lição: o Giro de Itália não se ganha à 9ª etapa – a não ser que o atleta se chame Pogacar ou Bernal. Cedo entendeu que não ia ganhar, mas deu um recital de autocontrolo, autoconhecimento e maturidade. Fundamentos básicos de um campeão.

Não entrou em pânico perante o comboio de montanha da Ineos. Não tremeu quando a Bahrain acelerou para Landa, sem se preocupar que Bilbao descolava [perderia 1:08]. Pelo meio viu Yates, Dumoulin, Carthy, Kelderman, Sosa e Ciccone cavarem um buraco do que não vai ser fácil sair.

João Almeida revelou que, a ritmo, poucos estão a subir melhor do que ele. A cada ataque lá estava ele, impávido e sereno. “Pero que es esto parce?”, pensaria Carapaz. “Me cago en todo!”, diria Landa. “C’est pas posible…”, lamentaria Bardet. Foram eles os mais fortes na subida e mesmo assim não ganharam tempo ao português.

No final ganhou Jai Hindley, balde de água fria para Ineos e Bahrain. O australiano colou-se à roda de Almeida e colocou para trás das costas dois anos de decepções após perder o Giro de Itália no último dia.

A Bora-Hansgrohe plantou a bandeira da Alemanha no Blockhaus! Era um sacrilégio que o país que deu o nome ao “Juiz dos Abruzzos” não o tivesse ainda conquistado de bicicleta.

Quanto a João Almeida, vai dando passos pela certa, sabendo que nem é o melhor escalador nem traz a equipa mais forte.

Como é que pode ganhar o Giro d’Itália?

Simples: estando sempre lá, sendo a sombra dos rivais, o pesadelo dos diretores desportivos, a pedra no sapato e aquele que não desarma nem quando parece ir no elástico. Em suma, com inteligência e uma capacidade de sofrer superior aos demais. A corrida está aberta e não parece haver um virtuoso.

Italianos e portugueses partilham o gosto por refrões e sabedoria popular. Lá diz-se “piano, piano arriviamo”, o nosso “devagar se vai ao longe”.

Até Verona a jornada é longa, mas por agora já sentimos que valeu a pena esperar nove dias para continuar a sonhar. Com o quê? Pódio, vitória? Sendo honesto, pouco me importa. Quarenta anos depois de Joaquim Agostinho temos um ciclista capaz de competir contra os melhores voltistas do mundo. Eu nunca vi Agostinho, mas este domingo pude desfrutar com Almeida. Essa é a notícia.

Por: Gonçalo Moreira

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