O TopCycling falou com Ana Santos, um dos nomes grandes do BTT em Portugal, que corre em 2025 o primeiro ano como elite na Taça do Mundo de XCO.
Ana Santos é uma das mais promissoras ciclistas portuguesas. A atleta, que em 2025 se mudou para a Cannondale, uma das maiores estruturas de BTT, atendeu a chamada do TopCycling em plena preparação para a primeira etapa da Taça do Mundo, no Brasil.
Mas há muita história até 2025. Com uma simpatia fora do comum, Ana Santos contou-nos o percurso que começou com três anos em Vila do Conde e que a levou à elite do ciclismo mundial. Uma história de ambição, determinação, com muitos altos e alguns baixos.

O Início
Foi o pai que a meteu em cima da bicicleta, e que, em conjunto com o irmão, fomentou uma “paixão” – apoiada no bom ambiente e na diversão.
O pai que já não compete, mas que ajudou a criar uma geração de talentos, naturais de Vila do Conde, que hoje em dia lidera o BTT nacional – Ana Santos e Raquel Queirós são algumas das caras que saíram do Clube da terra.
O meu pai acho que criou um bocado essa geração, a minha, da Raquel, do João Cruz, foi o meu pai que criou. Foi ele que criou a escola de ciclismo em Vila do Conde e nós todos viemos de lá. Acho que ajudou, tínhamos um bom ambiente.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
2021 – 2024: Em Espanha atrás do sonho
Em 2021, com apenas 19 anos, Ana Santos dá o primeiro grande salto da carreira e junta-se à X-Sauce, equipa UCI que competia pelo primeiro ano. As dúvidas estavam lá, mas o sonho falou mais alto.
Eu não estava nada à espera. Estava a competir numa equipa em Portugal, estava na faculdade e recebi uma mensagem do suposto manager da equipa a dizer que iam criar uma equipa nova UCI em Espanha, e convidaram-me para ser atleta. E eu não estava a acreditar, nem sabia se devia acreditar porque a equipa ainda nem existia (…) Acabei por aceitar e não estou nada arrependida. A X-Sauce fez muito por mim e fez-me crescer muito como atleta.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
A mudança foi “um choque”, não só devido à “barreira linguística”, mas também “porque era muito diferente do que conhecia aqui em Portugal”.
No final de 2023, o manager da equipa abandona o projeto – o homem que “queria levar aquilo ao nível mais profissional”. Deixava de ser uma equipa UCI e correr as provas mais importantes do calendário. O processo culminou na saída de Ana Santos, uma decisão a pensar na carreira. Voltou a Portugal para representar a Guilhabreu durante 2024.
A X-Sauce era muito profissional em termos de materiais, condições, eu cheguei a ter nutricionista, treinador, psicólogo, tudo por parte da equipa, e um calendário cheio de Taças do Mundo. Era muito profissional, mas o pagamento nunca esteve previsto no contrato (…) Em 2024 não ia ter apoio em Portugal, não ia fazer Taças do Mundo, e não estava a receber. Então pensei que talvez em Portugal estivesse melhor porque conseguia mais facilmente atingir os meus objetivos.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling

2024: Ano de baixos e altos
Ano de momentos marcantes da carreira de Ana Santos. Volta a Portugal para correr na Guilhabreu, depois de três anos numa equipa UCI. Desse período, sai um obrigado especial a José Carlos Magalhães, que deu à ciclista “todas as condições” para continuar a ter sucesso desportivo em território nacional.
Paralela à carreira de atleta, está ‘outra vida’: a Universidade. Um mundo difícil de conciliar com a alta competição, e uma reflexão que culminou numa das maiores frustrações da carreira.
Atleta desde muito nova, aprendeu cedo a organizar a vida ao milímetro e a ter o tempo contado ao segundo. Pressões que eventualmente têm o seu preço.
Claro que é difícil, chegava muitos dias a chorar, a dizer que já não queria mais ciclismo ou estudos, que já era demasiado. Mas a paixão pelo ciclismo permaneceu, e a vontade de juntar os dois. Mas tem de se abdicar de muita coisa. Eu não tive vida universitária (…) Eu meti na cabeça que ainda era possível ir aos Jogos. E ao mesmo tempo estava a estagiar, passava das 10h às 20h numa clínica, a trabalhar. Eu ás vezes saía da clínica a chorar e chegava a casa a chorar, a dizer que não aguentava mais e que não queria. E para mim foi uma desilusão ainda maior quando soube que não ia aos Jogos, ter feito todo o esforço e saber que não consegui, porque pus mesmo muito naquilo. Até porque eu já achava que estava a fazer uma coisa incrível, que era conciliar o trabalho e a competição. Mas eu estava a viver um sonho porque conseguia resultados que nunca tinha conseguido.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
O sonho acabou por não se realizar em Paris. 2024 não foi o ano de estreia nos Jogos para Ana Santos, num processo onde as instituições responsáveis não parecem ter ficado isentas de culpas. Um testemunho brutal acerca de parte da realidade de ser atleta de alta competição em Portugal.
Foi muito difícil. O pior ponto é que não há critérios específicos para quem vai representar Portugal nos Jogos. Não há o critério de se por exemplo ‘se fizeres este lugar numa prova, ou x de pontos no ranking mundial, tu é que vais’. Ou seja, eu e a Raquel estávamos pré-selecionadas, mas não sabíamos o que tínhamos de fazer para ir. Nós só sabíamos que Portugal se tinha de qualificar, e foi uma luta para o conseguirmos. E os pontos que nos tínhamos só davam para um atleta ir. Para mim ainda foi pior porque eu estava a espera de uma notícia por parte da Federação, de me comunicarem antes se ia ou não, e não tive essa notícia, fiquei a saber pelas redes sociais. Deixou-me abalada, abrir o telemóvel e saber que não sou eu que vou. Todos trabalhamos para chegar aos Jogos, eu trabalhei para isso, tive resultados que eram merecedores disso… Mas pronto não fui selecionada, ok, mas para mim a parte mais difícil foi como fiquei a saber que não era selecionada (…) Acaba por ser uma carga psicológica muito grande, estares a pensar todos os dias ‘será que vou, será que não vou’. E acabas por nem conseguir focar a tua energia para a preparação dos Jogos, porque estas sempre na incerteza. Acho que ás vezes era preciso tornar as coisas mais simples e comunicar com os atletas. Eu estive durante meses numa ilusão de que poderia ir. E depois finalmente pude dizer ‘ok não vou, posso forcar-me noutros objetivos, que até agora não estava a fazer’.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling

2024 ainda tinha um presente guardado para a Ana. No final do ano, depois da desilusão dos Jogos, chega uma das melhores notícias da carreira: o convite da Cannondale para fazer parte de uma das maiores estruturas de BTT do mundo.
Chegou à equipa “de forma natural”. Os primeiros contactos vieram depois do quinto lugar alcançado na Taça do Mundo de Novo Mesto.
Recebo uma mensagem do João Corso, que é um agente de ciclistas cá em Portugal. Eu não o conhecia de lado nenhum, mas ele era o único contacto da Cannondale. Ele mandou mensagem a dizer que a equipa queria falar comigo. No dia seguinte fui ter à tenda deles, eles disseram que sim, queriam falar comigo. Foram ter comigo ao hotel e falámos, mas ficou um pouco assim tudo muito em aberto. Depois fui falando com o meu treinador, o Dixon (…) ele disse ‘nós temos uma lista de seis atletas, e estamos no processo de escolher três, em que queremos duas mais novas e outra mais experiente para transmitir os ensinamentos’, e eu comecei a fazer as contas… de seis ou nove atletas, qual a probabilidade de ser eu a escolhida?
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
Alta ou baixa a probabilidade, a verdade é que foi mesmo a escolhida. Começou assim um novo capítulo na carreira de Ana Santos, e abriu-se, finalmente, a porta que lhe permite viver da modalidade.
O que vem aí
Eu acho que todos os dias ainda estou a viver um sonho. Às vezes tenho de dizer para mim própria ‘Estás na Cannondale, estes são os teus colegas e isto é real’.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
Este é o estado de espírito de uma atleta que acaba de se juntar a uma das melhores estruturas do mundo. Conta que a equipa não tem expetativas para esta época, que vai servir de adaptação à categoria de elites, onde vai correr pelo primeiro ano.
Da parte da ciclista, o foco é o mesmo: poucas expetativas, com o objetivo de uma boa adaptação, e com a confiança de que o trabalho sustentado dá frutos. Sobre a equipa, destaca o “bom ambiente” entre o grupo, e a organização da estrutura.
A única preocupação que eu tenho é estar em cima da bicicleta e competir. Onde tenho de estar, quando tenho de acordar, o que tenho de comer, o que tenho de beber, quando tenho de aquecer, quando tenho de chegar à linha da partida, são tudo eles que fazem, dão-nos o horário todo. E isso é uma grande mais-valia porque tira todas as preocupações de cima do atleta, a competição é o único foco.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
Antes de terminarmos, uma última visita ao passado. Em 2022, um incidente que marca a carreira de Ana Santos – uma miocardite que a deixou sem competir durante seis meses, e a repensar a continuação. Três anos mais tarde, reflete sobre esse momento.
Se pudesse, tinha ido à Ana de 2022 e tinha-lhe dado um grande abraço e tinha-lhe agradecido por ter continuado. Porque 2022 foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Pensei e repensei se continuava no ciclismo, se fazia sentido e se valia a pena, duvidei muitas vezes. Mas no fim consegui decidir que era mesmo isto. E em 2022 eu dei a mim mesma o maior presente que podia ter dado. Ter continuado no ciclismo para em 2025 ser a versão mais feliz da Ana.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
Por último, pedimos à Ana que sonhasse, e que nos contasse o que mostram os sonhos de uma ciclista que, com 22 anos, chega à elite do pelotão mundial de BTT:
O que eu procuro? Ser campeã do mundo, uma das melhores do mundo… Acho que é estar nesses palcos, com os melhores do mundo, porque é para isso que eu trabalho. Sei que neste momento é sonhar muito alto, mas acho que todos devíamos sonhar muito alto. E trabalhar muito, e eu sei que trabalho muito.
Ana Santos, em entrevista ao TopCycling
Pode ler mais entrevistas a ciclistas de elite aqui. Pode seguir a carreira de Ana Santos aqui.
Créditos da fotografia de destaque: Rodrigo Vicente