Volta a França do Futuro: Portugal “sem condições” segundo o selecionador nacional

Volta a França do Futuro: Portugal “sem condições” segundo o selecionador nacional

Em 2020 não houve, em 2021 não nos classificamos nem fomos convidados e em 2022 Portugal auto excluiu-se da Volta a França do Futuro.

Que motivos levam uma nação em que o calendário específico para sub-23 é escasso a abdicar de um lugar que ficou selado com o 12º lugar de Pedro Silva na Corrida da Paz?

No momento mais frágil da década para o ciclismo português e com a reputação internacional ferida pela operação “Prova Limpa”, TopCycling quis saber porque é que a Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC) não levou os sub-23 a competir contra os melhores no maior dos palcos.

Nas próximas linhas transcrevemos a entrevista do jornalista Gonçalo Moreira ao selecionador nacional José Poeira.

Gonçalo Moreira (GM): Porque é que Portugal abdicou de ir à melhor corrida sub-23 do mundo?

José Poeira (JP): Encontra-se numa época um bocadinho complicada. A maioria dos sub-23 estavam na Volta a Portugal. Contactei algumas equipas se podiam dispensar um corredor para a Volta a França, mas são equipas quase todas à base de sub-23 e precisavam deles porque tinham a Volta a Portugal que é o ponto mais alto para eles e para os patrocinadores deles. Não reunimos as condições.

Podia mandar uns corredores, mas uma prova daquelas, àquele nível andam muito. Se calhar não tínhamos as condições para representar melhor o país. Já tivemos situações em que tivemos as pessoas disponíveis e conseguimos representar bem, a última que fizemos foi quando o João Almeida fez 7º [ em 2019], mas tínhamos todos disponíveis. Agora não tínhamos.

A Volta acabou a 15 [de agosto] e a outra [Volta a França do Futuro] começava a 18, portanto iam fazer de enfiada duas provas juntas que dava mais dias que a Volta a França. Foi por esse motivo. Havia um corredor ou outro, mas não tínhamos as condições.

GM: Entendo a questão das datas e que alguns corredores não estivessem disponíveis. Quando diz que não estavam reunidas as condições, qual é a filosofia da FPC para as provas sub-23?

No histórico da Volta a França do Futuro, Portugal fez uma vez pódio desde a criação da corrida [Rui Costa 2º em 2008]. A FPC mandaria uma equipa de sub-23 à Volta a França do Futuro para ganhar, fazer pódio, top 5, top 10?

JP: Não quer dizer que tenha que ficar no top 10 porque não é uma corrida qualquer, é muito exigente e há corredores aqui [em Portugal] que têm esse valor, mas estavam ocupados. Se conseguisse retirar às equipas que iam à Volta um corredor ou outro… mas eles têm as equipas à conta sem ninguém para os substituir. Esse foi um dos motivos que analisamos.

GM: Mas qual é a filosofia da FPC para este tipo de provas? A FPC quer ir à Volta a França do Futuro em que circunstâncias?

JP: Para representar o país o melhor possível e às vezes pode não acontecer. A Volta a Portugal por vezes acabava mais cedo e uma semana de intervalo era suficiente; agora essa distância não havia porque acabou mais tarde e fazer tudo seguido não era a melhor política. Depois também o que restava já não era a melhor condição para nós participarmos. Não quer dizer que a gente vá para fazer nos 10 primeiros, não é isso. Se conseguirmos, melhor.

GM: Eu fiz de selecionador de bancada e pensei em nomes que podiam ter representado Portugal na Volta a França do Futuro e o selecionador já me diz se são ciclistas que têm condições para estar ou não…

JP: Não é se têm condições, uns têm mais do que outros.

GM: Sim, sim. Deixe-me só fazer este papel de selecionador de bancada. Entendi pelas suas palavras que queria levar ciclistas, e eu entendo porque olho para a classificação da Juventude da Volta a Portugal e vejo ciclistas talentosos que andaram bem, provando que se estivessem na Volta a França do Futuro podiam ter feito um bom papel, mas também vejo outros que estavam disponíveis.

Deixe-me dizer-lhe estes nomes: Pedro Silva, Pedro Pinto, Fábio Fernandes, Alexandre Montez, Daniel Dias, Lucas Lopes, Diogo Barbosa, Francisco Pereira. Depois temos o caso do Pedro Andrade e do Francisco Guerreiro que foram à Volta convocados na véspera.

Estes 10 nomes não permitiam a Portugal fazer uma equipa de seis competitiva para poder estar na Volta a França do Futuro?

JP: Talvez. Essa é a sua opinião. Não quer dizer que não tivessem essa qualidade. Eu não vou tirar qualidade a ninguém, pelo contrário, mas nós entendemos assim. O senhor tem a sua opinião e eu tenho a minha.

GM: Pergunto porque em 2020 não houve Volta a França do Futuro. Em 2021 Portugal não conseguiu o apuramento nem recebeu convite. Em 2022 optamos por não ir.

É uma geração perdida de sub-23 que nunca teve a oportunidade de lá ir e eu pergunto: se os ciclistas ganharam na estrada o direito a representar o país na melhor prova do mundo, como é que se defende esta decisão perante os atletas, as equipas e as famílias que financiam as carreiras dos atletas jovens que podíamos ter ido, mas optamos por não ir?

JP: Por vezes temos as condições e por algum motivo não vamos, desta vez optamos por não ir. É uma decisão que assumimos e analisamos. A sua ideia é uma e a nossa é outra. Você tocou em alguns pontos, nomes. É a sua opinião e nós temos a nossa.

GM: Entendo que gostava de levar alguns atletas que estavam na Volta a Portugal e compreendo porque são talentosos, mas ainda não percebi que falta de condições são essas e gostava de saber especificamente porquê.

Estes nomes que lhe fui dando foi por participações na Corrida da Paz, por experiência internacional dos ciclistas, porque alguns são aposta da FPC noutras disciplinas e fizeram bons resultados nos Campeonatos Nacionais, não lhe estou a dizer que não tem a sua razão em querer levar dois ou três ciclistas muito fortes que ficaram de fora. O que estou a perguntar é porque é que havendo disponibilidade de ciclistas também com qualidade qual foi o critério que lhe disse “este ano é melhor não irmos”?

JP: Foi uma análise que fizemos e achamos que não era o melhor ano para isso. Agora, eu não estou a tirar qualidade a ninguém nem a por. Podíamos ter conseguido uma seleção mais homogénea, mas se calhar não a conseguíamos e optamos por não ir. É uma opção nossa.

GM: Vivemos uma situação interna que prejudicou a reputação do ciclismo português a nível mundial com o caso “Prova Limpa”. Não lhe parece que duas semanas depois deste caso ser tornado público que era importante Portugal dar a cara na Volta a França do Futuro? Por uma questão de imagem.

JP: Nós não temos nada a esconder porque fazemos controlos internos, análises. Não é por aí. Uma coisa foi o que aconteceu e não temos nada a ver com isso; compete às autoridades resolver esses problemas. Não temos que misturar as coisas. A imagem que a gente dava seria a que demos noutras corridas que fomos com juniores, cadetes, sub-23, elites…

GM: Não me refiro à imagem desportiva. Para a FPC, como entidade máxima do ciclismo português, não seria importante mostrar “nós estamos aqui”?

JP: Isso podia ser importante, mas as coisas não vão por aí. Se fôssemos íamos dar a imagem que a nossa imagem é limpa como sempre foi e os atletas que vão nunca nos causaram qualquer problema.

Isso não tem nada a ver uma coisa com a outra. E se fôssemos, fosse com quem fosse, íamos dar essa imagem porque nós filtramos as coisas e quando vamos sabemos o que levamos e nunca se passou problema nenhum desses na nossa casa felizmente.

Ir ou não ir não tem nada a ver com a imagem, nós estamos cá e não temos problemas nenhuns com isso. Não podemos misturar as coisas. Nem isso era visto dessa maneira. Ou se calhar era, nós íamos e estávamos lá e não tínhamos nada a ver com aquilo que se passa na casa dos outros.

Não era esse o problema porque na fase de corredores de formação esses problemas penso que não existem e nunca nos causaram qualquer problema idêntico nem tivemos dúvidas com ninguém. Se fôssemos era dar a imagem em todos os aspetos e não só desse.

É uma imagem que a gente quer dar sempre positiva e nunca negativa. Os corredores passam pelas nossas mãos, fazemos análises, controlos e eles sabem que quando vêm aqui são controlados, mas nunca nos causaram qualquer problema. Não seria por aí. Íamos dar a imagem que sempre demos: não ter problemas nenhuns e não causar problemas a ninguém.

GM: Portanto, na sua opinião, o que está a acontecer internamente e o facto de estarmos numa posição fragilizada para quem nos vê desde fora não podia haver aqui uma mensagem de tranquilidade por parte da FPC ao mandar uma equipa à prova de sub-23 mais importante do mundo.

É melhor ficarmos em casa do que competirmos lá fora?

JP: Essa imagem, se fôssemos, seria de confiança, tranquilidade, porque quando fomos sempre fizemos as coisas de maneira a que quem vai está em condições de estar de cabeça erguida. A imagem que a gente dá, como fomos ao Campeonato da Europa, vamos ao Campeonato do Mundo e a imagem que a gente deu sempre há-de ser aquela que a imagem do país e da seleção na sua plenitude que não damos esses problemas.

Agora, o problema que se passa no nosso país atualmente, que está a ser visto pelo mundo inteiro e que é um problema que tem que ser resolvido, a justiça é que tem que resolver essa parte, não somos nós. Envolvendo todos porque todos queremos que se resolva o mais rapidamente possível e quando estiver resolvido e tivermos a certeza de que está tudo bem, claro que a nossa imagem a todos os níveis é melhor para o mundo do que a atual que é uma imagem de dúvida que acaba por abranger todos.

De qualquer das maneiras o que nós fazemos é um filtro interno para saber quem levamos. O estar lá como seleção em condições, limpa, claro que dava outra imagem. Que nem todos em Portugal fazem… supostamente fizeram… não sei se fizeram ou não fizeram… há-de haver pessoas com problemas, mas o problema não é de todos. Poderá ser de alguns.

São situações pontuais e depois passa para além daquilo que é o geral. Mancha um pouco a imagem de Portugal nesse aspeto, mas nem todos têm esse problema.

GM: Mencionou os Europeus. Houve quem ficasse surpreendido por em Munique só termos tido o Rui Oliveira numa prova com mais de 200km. Por dois eventos consecutivos [Europeu e Volta a França do Futuro] não nos fazemos representar pelo máximo número de atletas.

Pergunto-lhe em linguagem informal: foi uma questão de dinheiro não ir à Volta a França do Futuro ou não ter levado todos os ciclistas ao Europeu?

JP: A Volta a França do Futuro não era um problema de dinheiro porque tínhamos a possibilidade de gastar menos. Já fomos em anos em que tínhamos que pagar tudo; quem não está naquela quota [top 15 do ranking da Taça das Nações quando fecha o apuramento ] tem que pagar hotéis, isso fica caro e acabamos por ir.

O Campeonato da Europa de elites… há um calendário com vários eventos ao mesmo tempo. Há três ou quatro meses que andávamos a falar com equipas e corredores, depois os calendários alteram-se e não havia certeza de ter os corredores nesta altura. Só que depois aparece uma situação em que o Rui Oliveira, o Ivo Oliveira e o André Carvalho podiam participar e nós tratamos dos hotéis, etc.

Passado dois dias as equipas aparecem a dizer que precisavam mesmo deles; o Ivo era para não ir e vai fazer a Volta a Espanha e o André tinha que fazer a Volta à Dinamarca [acabou por correr a Arctic Race].

Ficou só o Rui que fez uma grande corrida, esteve sempre bem colocado, mas com equipas de oito com sprinters, num percurso exigente, o trabalho da equipa é colocar os sprinters e é mais difícil um corredor só fazer isso. Ele teve a infelicidade de ir na roda dos lançadores e quando um abriu mandou-o para a direita senão o lugar dele seria no top 10. Fez uma grande corrida sozinho.

GM: Gostava de concluir a entrevista apelando ao seu lado, não de selecionador, mas de homem do ciclismo habituado a lidar com ciclistas de formação. Fica triste por pelo terceiro ano consecutivo não levar uma equipa à Volta a França do Futuro?

JP: Deixa-me muito triste o facto de não ir. Já fiz muitas Voltas a França do Futuro, não fazemos todos os anos, mas alternadas já fizemos várias. É uma corrida especial, fico triste, mas de qualquer das maneiras já em outras alturas não fomos e esperemos que as coisas sejam diferentes e que possamos lá estar.

Já lá tive bons momentos e outros menos bons, faz parte de uma corrida. Vamos passar à frente; na próxima vamos lá estar e os calendários têm que ser mais divididos para podermos usufruir dos atletas.

Fim entrevista.

Por: Gonçalo Moreira

Fotografia: Federação Portuguesa de Cisclismo, Tour de l’Avenir.

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