Peter Sagan, Dries Devenyns e Nacer Bouhanni penduram a bicicleta em 2023 com histórias para contar. De que forma marcaram o ciclismo?
São tantos os corredores que marcaram os últimos 15 anos do ciclismo que se retiram no final de 2023 que não há um critério objetivo para escolher três nomes.
Podíamos salientar o histórico título olímpico de Greg Van Avermaet no Rio de Janeiro, os múltiplos azares de Sep Vanmarcke nas clássicas do Norte, os 19 anos de lealdade de Imanol Erviti à Movistar ou a devoção dos fãs ao looser mais querido do pelotão como é Thibaut Pinot.
Numa escolha totalmente subjetiva optei por olhar para outros três nomes. Peter Sagan é o carisma em pessoa, tudo o contrário do que representa Nacer Bouhanni. Um é o dia e o outro a noite. Entre ambos aparece o lusco-fusco, representado por Dries Devenyns, o gregário discreto que acompanhou a transição da Quick-Step.
O génio que devolveu o sorriso ao ciclismo
Peter Sagan marcou uma era no ciclismo. Quantos podem dizer o mesmo? O eslovaco ganhou 121 vezes e deixou triunfos emblemáticos: três títulos mundiais de fundo consecutivos, vitórias na Flandres e em Roubaix, além de 12 etapas no Tour de France onde é recordista de camisolas verdes (sete).
Do eslovaco vamos recordar a atitude perante a modalidade. Peter Sagan sacou cavalinhos, inovou nas celebrações e correu sem medo. Deixou amigos por onde passou.
Quando escassearam as vitórias transformou-se em homem de negócios. Imagem da Specialized, organizador de Gran Fondos na Europa, América do Norte e América do Sul. A popularidade nos Estados Unidos ajudou a reativar um mercado-chave deprimido pelo escândalo Lance Armstrong – Peter Sagan é o recordista de etapas na Volta à Califórnia.
Com o líder retira-se o super gregário Daniel Oss, que esteve cinco anos ao lado do eslovaco após trabalhar para o rival Greg Van Avermaet, na BMC. Já tinham dito adeus Maciej Bodnar e Juraj Sagan, membros da corte do tricampeão mundial.
O último objetivo de Peter Sagan é correr a prova de XCO nos Jogos Olímpicos de Paris. É o regresso às origens, no mountain bike, onde foi campeão mundial júnior em 2008. O génio que devolveu o sorriso ao ciclismo vai correr pela Specialized Factory Racing em 2024.
ADN da Quick-Step sofreu uma mutação
Quando em 2017 se retirou Tom Boonen – líder histórico da Quick-Step com 120 vitórias – a estrutura com sede na Flandres dominou o calendário do pavê, ganhou nas Ardenas e levou 17 etapas nas três grandes Voltas.
Na base do êxito uma direção desportiva competente com Tom Steels, Wilfried Peters e Brian Holm, mas também um bloco sólido de homens da casa como Iljo Keisse, Tim Declerq e Yves Lampaert. Os líderes eram de classe mundial: Philippe Gilbert, Niki Terpstra, Marcel Kittel, Matteo Trentin e Julian Alaphilippe.
Atualmente a Quick-Step já não tem os melhores classicómanos do pavê nem o espírito de entreajuda que deu origem à Wolfpack. Há um novo lobo a liderar o grupo, mas Remco Evenepoel gosta de caçar na floresta das Ardenas.
Nas duas últimas épocas a Quick-Step não dominou as grandes corridas da Flandres. Não é a Kuurne de Fabio Jakobsen (2022) ou a Nokere Koerse de Tim Merlier (2023) que saciam Patrick Lefevere.
A melhor equipa da história das clássicas anda há dois anos a apanhar bonés. Não deixaram de ganhar, mas desde que Evenepoel é líder supremo o ADN da Quick-Step sofreu uma mutação.
Em 2023 retira-se Dries Devenyns, veterano de 17 épocas no pelotão e capitão da Quick-Step. Também saem Tim Declerq, Florian Senechal, Davide Ballerini e Michael Morkov. Fecha-se um ciclo para que outro se inicie no bloco de clássicas.
À Wolfpack chega Gianni Moscon, o único reforço com alma flandrien. Também há miúdos com genes ganhadores vindos do pelotão sub-23: Gil Gelders conquistou a Gent-Wevelgem e William Junior Lecerf a Volta à Lombardia.
Haverá um lobo com dentes afiados na Flandres ou em Roubaix?
O enfant terrible do pelotão
Nacer Bouhanni ficará para a história como um dos mal-amados do ciclismo. Passou a profissional em 2011, aos 20 anos, somando 71 vitórias ao longo da carreira.
Mais recordado pelas polémicas do que pela velocidade, em 2014 saiu da FDJ quando Marc Madiot apostou em Arnaud Démare.
Nunca foi a falta de triunfos a impedir que Nacer Bouhanni chegasse mais longe. Na melhor fase da carreira – entre 2013 e 2016 – fechou sempre acima das 10 vitórias por ano. Venceu no Giro de Itália, na Vuelta a Espanha e foi campeão nacional.
Da FDJ passou à Cofidis, que lhe abriu as portas do Tour de France em 2016. Íman de problemas, Bouhanni partiu a mão na véspera dos Nacionais após andar ao soco com um hóspede barulhento no hotel onde estava alojado. Conclusão: falhou o Tour de France!
Admirador de Muhammad Ali, retira-se aos 33 anos após quatro temporadas na Arkéa Samsic onde deixou escassas cinco vitórias e fez duas épocas em branco. Os últimos anos foram marcados por quedas – a da Volta à Turquia de 2022, quando colidiu com um espetador que atravessou a estrada, foi a mais grave.
Diz adeus o enfant terrible do pelotão.