João Almeida em entrevista – “Quero ganhar, não quero fazer 2º!”

João Almeida em entrevista – “Quero ganhar, não quero fazer 2º!”

Qual é a hierarquia na UAE-Emirates no Giro de Itália? Como foram os duelos com Primoz Roglic e Remco Evenepoel? O TopCycling entrevista João Almeida.

A entrevista com João Almeida foi feita por videochamada a 26 de abril enquanto estagiava em altitude em Serra Nevada. Durante quase uma hora conversamos de forma descontraída e até deu para notar o bigodinho – brincadeira entre colegas que vai desaparecer para o Giro de Itália.

Abordamos temas recorrentes – como a hierarquia dentro da UAE-Emirates – que João Almeida encara com a naturalidade de quem conhece o pelotão profissional e a estrutura que representa.

Segue abaixo a transcrição da primeira parte da entrevista com o atleta de A dos Francos. A segunda parte será publicada a 29 de abril e incluirá tópicos interessantes. Como é o João Almeida líder? O que mudou desde o Giro de Itália de 2020 até se tornar o plano A da UAE-Emirates no Giro? Quais os pontos fortes dos rivais e como batê-los?

LEIA AQUI A SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA

A Colnago de João Almeida a “descansar” antes do Giro de Itália
Créditos: João Almeida

Gonçalo Moreira: Começamos por falar do estágio. Como é que tem corrido e como tem sido o relacionamento com o bloco?

João Almeida: Tenho-me sentido bem, estou em forma e vou chegar ao Giro com frescura e pronto para a guerra.

GM: Correste o que querias correr? Pergunto porque há muitas preparações diferentes – Remco Evenepoel foi à Liège, Roglic não corre desde a Catalunha.

JA: Eu gosto de terminar com um bloco de treino para começar a corrida com mais frescura e menos desgaste. A competição é um desgaste alto enquanto o treino é mais controlado. O Evenepoel fez Catalunha, esteve em altitude antes, foi para altitude depois, fez a Liège que é uma prova de um dia e não dá grande desgaste, não sei se volta a altitude. Eu gosto de me preparar assim, tem corrido bem, mas vamos descobrir neste Giro. [risos]

GM: O mês e meio prévio ao Giro é quase o mesmo do ano passado. Estás na tua zona de conforto.

JA: No ano passado fiz Catalunha e Miguel Indurain depois.

GM: Foi aquela que fizeste e abandonaste…

JA: Fiquei doente e foi uma má opção ir lá. Decidi este ano fazer Catalunha e terminar por ali. No passado já fiz Catalunha e depois do estágio em altitude fui à Liège… não gostei muito. Daí não fazer as clássicas. É mais importante fazer uma boa preparação de treino em altitude e chegar ao Giro com outro pulmão por assim dizer.

Créditos: LaPresse

Mano a mano com os rivais

GM: Como é que avalias o teu desempenho na temporada e o mano a mano com os rivais?

JA: Comecei a época bem em Maiorca, infelizmente o tempo foi horrível com muita chuva e frio, mas fiz boas corridas e tive boas sensações. Infelizmente cheguei ao Algarve e tinha tido uma pequena lesão no joelho, o que não facilitou em termos de treino, tive que repousar um pouco. A dor no joelho prolongou-se até à Catalunha, nunca estive cómodo. Nas primeiras horas de competição tinha sempre alguma dor e depois acabava por passar. Mesmo a treinar a dor estava presente. Fiz exames ao joelho e estava tudo a 100 por cento, segundo o médico era uma irritação. No Algarve tive um contrarrelógio menos bem conseguido, mas no geral foi muito bom. No Tirreno não havia um percurso duro o suficiente para me testar e ver como é que estava em alta montanha – no único dia que era bastante duro em termos de montanha tivemos vento de frente a subida toda. Fiz 2º. Na penúltima etapa senti-me bastante bem e consegui fazer um ataquezinho. Cheguei à Catalunha não totalmente confiante na alta montanha; foi a corrida de uma semana mais dura que fiz e fiquei surpreendido com a minha forma. Estava bem depois de um Tirreno bastante duro. Após Catalunha fiz um pequeno descanso para encarar este estágio com frescura e para fazer um bom treino para chegar sem cansaço. Vão ser três semanas bastantes longas.

GM: Face a como estavas na Catalunha, se puderes quantificar, quanto é que dirias que o estágio melhora?

JA: Fui para a Catalunha sem qualquer ganho de altitude – a última vez que fez altitude foi no ano passado antes da Vuelta – enquanto os meus adversários lá estavam com altitude. O Remco vinha do Teide [Tenerife], o Roglic acho que também. Não sei dizer ao certo a percentagem que a altitude nos dá, mas claramente se essa desvantagem existia antes vai ser anulada para o Giro. Vou estar, sei lá, 2-3 por cento, quem sabe mais, também não sei. Vou estar melhor pela altitude e tenho feito um bom treino. Claro que o nível já é muito alto e não vou melhorar um absurdo, mas dá para melhorar bastantes aspetos e ficar um pouco mais consistente. Esperemos que seja o ideal para o Giro.

No pódio final da Volta à Catalunha com Roglic e Evenepoel
Créditos: Luis Angel Gomez/SprintCyclingAgency

“Eu ia a fazer 450 watts a subida toda e eles atacam a 500 e tal, 600, 700, 800”

GM: Faltou uma vitória para ratificar esse trabalho todo ou não é um problema?

JA: Não é um problema, mas não é fácil porque desde outubro/novembro tenho estado a trabalhar no duro e tenho colhido esses frutos porque tem tudo corrido bem. Fazer sempre 2º, 3º e estar perto da vitória e ao mesmo tempo tão longe custa porque é muito sacrifício, muito trabalho e quero ganhar, não quero fazer 2º! Ao mesmo tempo estou a lidar com Roglic, Remco, esta fornada de corredores que são do meu ano e são muito fortes… estar no meio deles já é muito positivo.

GM: Que feeling é que tiveste no Tirreno contra o Roglic? Depois na Catalunha eles arrancavam e fizeram uma corrida separada do pelotão e tu foste o mais forte dos outros.

JA: No Tirreno fiquei feliz com o 2º porque não acho que conseguisse bater o Roglic. Na Catalunha fiquei um pouco aquém porque no dia de Vallter 2000 tive azar com a troca de bicicleta na pior altura possível. Sinceramente não acreditava que conseguia voltar… e consegui voltar ao grupo e ainda consegui fazer 4º sem perder muito tempo para os adversários. Claramente fui o mais rápido naquele dia na subida e estava muito bem… se calhar podia ter feito alguma diferença, quem sabe ganhar. Nunca vamos descobrir. A corrida seria diferente. Sem ser nesse dia fiz o que pude, mas aquele esforço fez a diferença porque no dia a seguir tivemos La Molina e paguei o esforço do dia anterior a 2000 metros de altitude. Isso dita logo a corrida, mesmo assim fiquei muito contente com o desfecho. São só coisas positivas para pensar que no Giro, sem azares, tenho possibilidade de estar lá na frente com eles. Não sou o corredor explosivo para reagir àqueles ataques ‘estúpidos’ que eles fazem [risos], mas no geral espero dar-lhes dores de cabeça e estar na disputa pela vitória.

GM: Quando vão num grupo reduzido, àquele ritmo que só aguentam meia dúzia de corredores, eles arrancam e tu olhas para o potenciómetro. Estamos a falar de que números?

JA: Posso dar o exemplo da Catalunha. Na etapa de Vallter 2000 eu ia a fazer 450 watts a subida toda e eles atacam a 500 e tal, 600, 700, 800 [watts] e depois conseguem manter na mesma os 450. Se calhar eu prefiro meter mais 10-20 watts e chegar com mais frescura. Eles também tinham outra capacidade física naquele dia e se eu fizesse aquela aceleração se calhar ficava para trás. Às vezes vejo-os atacar e penso ‘vou no meu passo porque não vale a pena estar a fazer estas acelerações’.

“Deixá-los gastar as balas”

GM: Como é que lhes vais conseguir ganhar?

JA: Os esforços que eles fazem vão pagá-los, isso é certo. Por mais fortes que sejam vão-se ressentir. Eu acredito nas minhas capacidades e sei que àquele ritmo se não chegar a eles é porque eles estão super-homens. É assim que eu penso, eles eventualmente vão abrandar porque também não são de ferro. É assim que eu penso e até agora tem corrido bem.

GM: Tiveram oportunidade de estudar aspetos estratégicos e táticos. Na Vuelta a UAE fez uma corrida taticamente corajosa, tu subiste na geral e o Ayuso fez 3º. Levas um bloco para o Giro de Itália para por a corrida nos mesmos termos?

JA: Taticamente temos que ir dia a dia, podemos ser mais agressivos como na Vuelta do ano passado e apostar as fichas todas. Se não der é porque os adversários foram mais fortes. Temos que ser cautelosos porque Jumbo e Quick-Step levam blocos muito fortes também. Se calhar deixá-los gastar as balas mais ao início e aproveitar um momento, uma oportunidade que possa surgir.

GM: Na Vuelta puderam ser agressivos porque o bloco estava bem. O Soler esteve espetacular e tudo funcionou. Conta-me o bloco que tens e como têm trabalhado juntos.

JA: O [Diego] Ulissi está um pouco doente, acho que não conseguiu alinhar na Liège e é um pouco a incógnita para o Giro. O [Davide] Formolo encontra-se bastante bem, o Jay Vine está muito bem, o [Alessandro] Covi teve alguns problemas de saúde antes de vir e tem sido mais cauteloso com o treino, se calhar não vai entrar tão bem no Giro. O Jay é capaz de ter alguns pensamentos de oportunidade dele ir para a geral, mas claramente eu sou o plano A. Por conversas que tivemos é capaz de tentar a oportunidade dele. No lugar dele também gostava de ter a oportunidade, mas vai haver uma altura em que se tiver que trabalhar claramente terá que trabalhar. Temos o [Pascal] Ackermann que vai para os sprints com o [Ryan] Gibbons. Depois temos o [Brandon] McNulty, que não está aqui connosco, mas acho que vai estar bem; se ele estiver bem é uma boa ajuda e é possível que pense numa etapa ou duas, o que é ok, não acho que seja um problema. Tem que ser tudo bem organizado e estudado, o diretor-desportivo tem que meter as coisas claras, os pontos têm que estar nos i que é para não haver problemas e as coisas estarem preparadas.

Jay Vine abriu 2023 a vencer o título nacional de contrarrelógio e o Tour Down Under

“Claramente sou o plano A”

GM: A questão do Jay Vine ter ambições… suponho que todos os corredores quando começam uma grande Volta dentro da cabeça têm ambições. Afinal, são todos profissionais, mas não há uma hierarquia clara?

JA: Há uma hierarquia clara. Isto não foi falado dentro da equipa. Terá que ser falado claramente dentro da equipa, mas na hierarquia sou eu o plano A. Isso nem é uma questão. Percebo que ele queira ter a oportunidade de tentar fazer a geral, se calhar vamos poupá-lo um bocadinho, mas vai chegar um momento em que se for necessário não vou hesitar em dizer o que quero. Com o desenvolver da corrida as coisas vão ficar mais claras. Quem sabe ele até esteja numa forma super e ganhe o Giro, não se sabe. [risos] À partida é assim que temos de ir, claramente sou o plano A e dou muito mais garantias do que qualquer um. Ainda mais vindo ele de uma lesão e sem fazer corridas antes para ver bem o nível em que está, mas ele também sabe que eu sou o plano A e as coisas têm que ficar claras. Tem sido bom conhecer-nos melhor, comunicarmos para saber os objetivos de cada um e termos um plano bem estruturado. Tem corrido bastante bem nesse sentido.

Subscreve a newsletter semanal para receberes todas as notícias e conteúdo original do TopCycling.pt. Segue-nos nas várias redes sociais Youtube , Instagram , Twitter , e Facebook.

Noticias relacionadas

Giro d’Itália 2024 – Etapa 14 – CRI

Giro d’Itália 2024 – Etapa 14 – CRI

Giro d’Itália 2024 – Etapa 13

Giro d’Itália 2024 – Etapa 13

Giro d’Itália 2024 – Etapa 12 – Lição de resiliência de Julian Alaphilippe

Giro d’Itália 2024 – Etapa 12 – Lição de resiliência de Julian Alaphilippe

Giro d’Itália 2024 – Etapa 11

Giro d’Itália 2024 – Etapa 11

Utilizamos cookies para garantir a funcionalidade e melhor experiência de navegação no nosso site. Saber mais