Como evoluiu João Almeida como líder desde que vestiu a rosa no Giro de 2020? Na segunda parte da entrevista analisamos os rivais diretos.
Entrevistei o João Almeida por videochamada a 26 de abril. O atleta estava em estágio em Serra Nevada e durante quase uma hora conversamos de forma descontraída.
Abordamos temas recorrentes – como a hierarquia dentro da UAE-Emirates – que João Almeida encara com a naturalidade de quem conhece o pelotão profissional. Segue abaixo a transcrição da segunda parte da entrevista com o atleta de A dos Francos.
LEIA AQUI A PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA

GM: Desde 2020 passou muito tempo. Não és o mesmo a ler a corrida dentro da corrida, mas também tudo o que se passa à volta de uma prova de três semanas. O que é que mudou?
JA: Apesar de eu só ter 24 anos, não sou nenhum veterano, mas tenho bastante experiência e já fiz quatro grandes Voltas. Todas correram bem à exceção do Covid. Sou um João Almeida com muito mais experiência, com as coisas muito mais planificadas, que sabe o que quer, que comunica o que quer, o que é necessário fazer. Aprendi com os erros e situações do passado. Também estou mais forte.
GM: Como é que tu és como comunicador?
JA: Parte tudo da base da confiança e sendo mais confiante não há receio de dizer ‘preciso que puxes, que me protejas ao vento, preciso de água, do que quer que seja’. Se calhar o João do passado não comunicava tanto por essa falta de confiança, ‘vou pedir isto a toda a gente e depois não consigo estar na frente ou ganhar, etc.’. Com o passar dos anos tenho vindo a ganhar essa confiança em mim próprio e neste momento não tenho qualquer receio de pedir o que eu quero. Essa é a principal diferença.
GM: Fala-se muito da questão mental em alta competição. Não deve ser fácil lidar com tanta pressão.
JA: Nem é questão de pressão, parte muito da nossa confiança. Afinal de contas tenho ali corredores que estão só para me ajudarem e não quero que trabalhem em vão. Ter essa responsabilidade de ter que… ‘delivery’ [dar resultados]… como se costuma dizer, ter que estar na frente e fazer a recompensa desse trabalho neste momento estou muito mais confiante e sei que vou estar lá.

GM: Analisaste o percurso?
JA: Por alto sim, ainda não vi tudo em questão. Dos contrarrelógios sei tudo, algumas etapas muito duras.
GM: Reconhecimentos não fizeram?
JA: Fiz o reconhecimento do segundo contrarrelógio – é bastante rápido, longo, mais de 30km. Gostei do percurso, boa estrada, não tem partes muito técnicas.
GM: O que é que vai pesar mais neste Giro de Itália?
JA: Os dois primeiros contrarrelógios vão fazer bastante diferença e acho que as estratégias vão mudar e vão-se adaptar de acordo com esses tempos. Se houver líderes que perderem muito tempo no contrarrelógio vão ter que mudar a estratégia para atacar na montanha, assim como quem ganhar vai mais pela defensiva. A última semana vai ser duríssima e aquele último contrarrelógio – que é meio contrarrelógio e meio cronoescalada – vai ser muito duro principalmente pelos dias anteriores. Vai ser um bom espetáculo e tudo pode acontecer naquela última semana. Temos o exemplo da primeira Volta a França que ganha o Tadej Pogacar… ninguém diria que ele ganhava e o certo é que aquele contrarrelógio meteu o Roglic lá para trás e este Giro vai ser similar. Naquele contrarrelógio tudo pode acontecer. Num Giro com não sei quantos mil quilómetros, aqueles 25 quilómetros vão fazer uma diferença abismal.

GM: Perante Roglic e Evenepoel o que é tu tens a mais do que eles e o que é que eles têm a mais do que tu? De forma resumida.
JA: Eles têm a vantagem do contrarrelógio. Sem ser no Tirreno – o Roglic não estava na melhor forma nesse dia – nunca fiquei à frente de nenhum deles. Claramente vão estar à minha frente no contrarrelógio. Eu tenho uma boa consistência, é o meu ponto forte e isso pode fazer a diferença.
GM: Pode pesar tu teres corrido os últimos três Giro enquanto o Remco abandonou na estreia e o Roglic tem-se centrado mais no Tour? A maior proximidade face ao Giro pode-te favorecer?
JA: Em termos mentais sim, pode fazer a diferença.
GM: Para além destes dois quem é que tens visto que pode entrar nas contas da geral?
JA: O Tao [Geoghegan Hart] esteve muito bem nos Alpes e toda a Ineos tem uma equipa muito forte. Geraint Thomas é um corredor que vai lá chegar e vai estar muito bem, apesar de nas corridas anteriores não ter estado ao seu melhor nível, mas sei que vai chegar ao Giro e vai estar numa forma estupenda. Vlasov também vai, mas o foco será Remco e Roglic à partida. Depois ao longo dos dias vamos vendo.

Créditos: GianMattia D’Alberto/LaPresse
GM: O que aconteceu ao Remco no Giro pode-lhe dar motivação extra para mostrar que pode fazer no Giro o que fez na Vuelta?
JA: Acho que sim.
GM: Há algum tipo de picardia entre vocês desde essa altura?
JA: Picardia não existe, o pouco que pode ter acontecido – o público é que amplia a situação – ficou resolvido naqueles dias no Giro. Agimos como equipa e na altura tomamos as decisões com a informação que tínhamos e fizemos uma boa decisão. Claro que agora olhando para trás mudávamos tudo, mas no final é fácil julgar.
GM: Ele se calhar também mudava o facto de ter ido ao Giro quando claramente não estava preparado?
JA: Sim, exato. E ele também não é assim tão individualista e invejoso. Se calhar dar-me-ia mais a oportunidade naquele dia sabendo que não ia estar bem.

GM: Como é que ele é como pessoa? Viste na Catalunha os gestos do Evenepoel quando ia com Roglic na frente? Era ele a tentar entrar na cabeça do Roglic?
JA: Ele é um corredor que é força pura e se está forte ataca. O Roglic é mais meticuloso, mais experiente, joga mais à defensiva enquanto o Remco joga a atacar e à força bruta. Aqueles gestos são uma forma de tentar entrar na cabeça do Roglic para que ele puxe, continuar a insistir para ele puxar e ele tentar ganhar a vantagem com o desgaste do Roglic.
GM: Ele está diferente agora que é campeão do mundo?
JA: É um corredor muito mais maduro, em termos táticos está muito melhor, cresceu bastante nesse sentido, mas será sempre um corredor de força bruta.
GM: Esse ímpeto favorece-te? Preferes uma corrida mais atacada ou mais à Roglic?
JA: Ambas as situações são boas. É bom deixá-los estar a disputar a corrida, a desgastarem-se um ao outro. O Roglic é mais meticuloso, como já disse. Joga mais à defensiva e quando ataca não ataca só porque sim. Ambas as situações me favorecem.

Subscreve a newsletter semanal para receberes todas as notícias e conteúdo original do TopCycling.pt. Segue-nos nas várias redes sociais Youtube , Instagram , Twitter , e Facebook.