A ideia do projeto OneCycling caiu no universo ciclista como uma bomba, cheio de controvérsia, a fazer lembrar a (tentativa da) Superliga Europeia no futebol – uma operação elitista que iria premiar as equipas mais ricas do mundo.
Mas o que é o OneCycling? Quais são as ideias, os atores principais, e as consequências para o desporto? E será que pode mesmo seguir em frente?
Ler mais | Época de estrada arranca na Austrália – O que há para ver em janeiro?

Precedentes
A ideia de reformular uma modalidade desportiva, com o objetivo de aumentar as receitas e a retenção dos fãs não é nova – seja no desporto em geral, seja no ciclismo.
Em 2012, oito equipas juntaram forças para uma nova competição – Cycling World Series – que nunca arrancou.
Em 2014, nova tentativa. 11 equipas WorldTour apoiaram o projeto Velon, que queria “fazer o ciclismo melhor” e aumentar as oportunidades comerciais no desporto. A UCI não apoiou o projeto, que perdeu força.
Fora do ciclismo, o maior exemplo será a Superliga Europeia de futebol, uma competição fechada, com os melhores clubes da europa, que criou uma onda de oposição nos adeptos e nunca seguiu em frente.

Créditos: JOHN MACDOUGALL/AFP via Getty Images)
Início do projeto e envolvimento Saudita
As primeiras noticias sobre o projeto surgem no fim de 2022, ainda sem uma descrição clara do que envolveria a mudança. Um documento com as linhas gerais foi partilhado entre as equipas WorldTour, onde se pretendia uma maior distribuição dos direitos televisivos, e uma nova empresa para promover as corridas. A segurança dos ciclistas também estava incluída nas reformas propostas.
O diretor desportivo da UCI, Peter Van den Abeel, disse na altura que o projeto iria levar a menos corridas, e sem sobreposições de calendário nas maiores provas do ano. Acrescentou também o seguinte: “As conversações foram lideradas pelo Richard Plugge e pelo Patrick Lefevere. Tivemos reuniões sobre direitos televisivos, melhorar o produto do ciclismo e reorganizar o calendário. Surgiu tudo do nada.”
O presidente da UCI, David Lappartient, disse o seguinte:
Cada ano, teríamos um número de corridas, talvez 15 corridas de um dia, e quatro a seis corridas de etapas. Seria uma éspecia de Liga dos Campeões da UCI. A ideia é fortificar a atratividade do nosso desporto para que o possamos vender ainda melhor, transmiti-lo ainda melhor.
David Lappartient

No final de 2023, surgem as primeiras notícias sobre o envolvimento da Arábia saudita, nomeadamente em relação ao financiamento do OneCycling. Um report inicial contava o interesse do Fundo Público de Investimento saudita em criar uma competição, no formato Liga dos Campeões, para rivalizar com o calendário existente.
O projeto – em muito da responsabilidade de Richard Plugge e Zdenek Bakala, dono da Soudal-QuickStep, ganhava forma e financiamento. Jonathan Vaughters, diretor da EF Education-Easy Post, assumiu-se como um dos apoiantes. Explicou que a competição seria composta por uma série de corridas que já existem, num calendário altamente editado.
O norte-americano deixou uma ressalva: o apoio da família Amaury, que detém a A.S.O. – e da organização francesa que detém os direitos do Tour de France – seria essencial para o projeto avançar.

OneCycling em risco
Apesar do apoio da UCI, o grande obstáculo da OneCycling é também um dos atores mais influentes no panomara do ciclismo profissional: a A.S.O. Desde o início dos rumores que os franceses se afastaram de qualquer ligação ao projeto – como era, de resto, esperado, não querendo abdicar do monopólio financeiro sobre muitas das maiores corridas do mundo:
Este não é o nosso projeto. É uma ideia que foi revelada mas eu posso dizer muito mais que isso. A ASO não está por trás do OneCycling. Sempre que o ciclismo se tentou transformar com objetivos monetários, falhou.
A.S.O.

No início de 2024, a não colaboração da ASO não era o único problema: o Het Laatste Nieuws noticiou que apenas oito equipas (do mínimo de 10 que eram precisas), e a Flanders Classics, apoiavam o projeto.
Fontes contaram ainda ao Cyclingnews que as equipas tiveram de assinar um acordo de confidencialidade antes de ver os detalhes do projeto. Muitas acabaram por não apoiar devido a não estarem felizes com os termos do negócio, incluindo o risco de ter de pagar de volta algum valor caso o projeto falhasse no objetivo de gerar novas receitas.
Também surgiram, na altura, rumores de que muitas equipas estariam desconfiadas dos números apresentados, alegando que as contas não batiam certo em termos das receitas esperadas.
Regresso em força
Depois dos soluços iniciais, houve alguns meses de interregno nas notícias em relação ao Onecycling. O projeto voltou, em força, a meio de 2024. Uma fonte contou ao Cyclingnews que o financiamento tinha sido garantido – apesar de não ter revelado quem seria o financiador, já se sabia que na Arábia Saudita estavam os grandes interessados, com cerca de 250 milhões de euros preparados para investir.
A mesma fonte disse, na altura, que o Onecycling não pretendia tirar nada à ASO, mas sim “trabalhar com eles”. Eusebio Unzue, chefe da Movistar, foi outras das vozes de apoio às mudanças no ciclismo:
Porque não permitimos substituições, pelo menos na primeira semana de uma Grande Volta? Nós perdemos o Enric no primeiro dia do Tour devido a uma queda. Porque não se permite substitui-lo, e continuar com oito ciclistas? Eu penso que todos os desportos evoluem, e nós continuamos a fazer o mesmo de sempre. Desde os anos 80 que as regras praticamente não mudaram, e acho que precisamos de as adaptar aos tempos modernos.
Eusebio Unzue

No início de 2025, novos relatos dão força ao projeto que quer estar na estrada já em 2026. O Escape Collective contou que várias fontes envolvidas nas negociações partilharam que a operação poderia avançar numa questão de semanas.
Alguns diretores confirmaram-se “otimistas” em relação ao lançamento do projeto, com Patrick Levefere, ou Ralph Denk – general manager of Red Bull-Bora-Hansgrohe – a deixarem dito nas entrelinhas que o Onecycling poderia estar muito perto de se efetivar.
A acrescentar a estes sinais, uma entrevista de Danny Townsend, chefe executivo da SURJ – uma das maiores empresas de investimento sauditas – em que o australiano afirmou que novo investimento do país do médio oriente seria anunciado “nos próximos meses”:
Temos trabalhado nalguns negócios que estamos perto de fechar. Estamos muito entusiasmados e prestes a anunciar, e penso que quando os anunciarmos, os mercados vão ver que serão mudanças transformacionais nos desportos em que vamos investir.
Danny Townsend

Persistem as dúvidas sobre o Onecycling
Falta, agora, saber o resto do desenvolvimento da saga Onecycling, e em que se pode transformar este projeto “revolucionário”.
Por um lado, um plano que promete revolucionar o ciclismo. Apoiado por alguns dos seus maiores atores, através de um calendário modernizado, e com melhor distribuição dos direitos televisivos. Promessas de melhores protocolos de segurança para os ciclistas – com a possibilidade de combater um dos monopólios mais antigos do ciclismo internacional.
Por outro, um projeto onde são as instituições mais ricas do mundo que parecem ter poder de decisão – com os atores mais pequenos sem espaço para tal – e que conta com investidores muitas vezes acusados de usar o desporto como maneira de limpar a imagem devido a questões políticas, colocando ainda em causa tradições estimadas pelos fãs de ciclismo por todo o mundo.
No Topcycling, queremos saber como é o público português no que se refere ao ciclismo, responda ao nosso questionário, são só dois minutos e está ajudar o projeto.
Créditos da fotografia de destaque: Unipublic Cxcling / Toni Baixauli