Podem Soudal Quick-Step e Gianni Moscon ser o match perfeito? Italiano que quase pendurou a bicicleta abre o coração ao TopCycling.
Cresceu em Livo, localidade situada entre os vales de Nom e Sole. No Norte de Itália há um paraíso com sete mil hectares de campos onde a maçã é a estrela.
Quando forem ao supermercado procurem por Royal Gala, Red Delicious, Golden Delicious, Stark Delicious, Fuji, Granny Smith e pelas tradicionais Renetta e Canada.
A possibilidade de trincarem uma maçã de Trentino-Alto Ádige é grande. Com sorte até apanham uma colhida por Gianni Moscon.
“Cresci no campo. Vi o meu pai trabalhar. Vivo nas montanhas e numa região que viveu uma crise. As pessoas não desistiram, somos gente trabalhadora e procuramos o lado bom de uma má situação. É a minha abordagem à vida. Faço sempre um paralelismo entre agricultura e ciclismo: se não trabalhas o campo há sempre algo que nasce, mas se te dedicares e fores paciente vais colher bons frutos. Se fores preguiçoso a fruta aparece, mas não será boa. O ciclismo é igual: tens o plano de treinos e podes-te comprometer a 100 por cento ou tomá-lo como algo rotineiro. Os resultados serão diferentes.”
Gianni Moscon ao TopCycling.

Nasceu e cresceu no campo
A crise a que se refere o italiano data de meados do século 19. Até então fruta e verdura só para consumo das famílias, o vinho era o principal cultivo.
Uma praga arruinou as vinhas e os vales perderam população. Os resistentes mudariam a história da região apostando na maçã.
“O meu bisavô era ferreiro, só depois nos dedicamos às frutas e às verduras. O meu avô começou com peras e maçãs. Antigamente cada um tinha o seu pedaço de terra para sobreviver. Desde os anos 90 que o meu pai se dedica só a esse setor.”

Créditos: Wout Beel
Match perfeito entre ciclista e equipa
Gianni Moscon nasceu e cresceu no campo. Se não fosse ciclista era agricultor.
A impressão que deixa no encontro com o TopCycling, em Calpe, é cinco estrelas. Simpático e humilde.
Bateu no fundo e tenta reerguer-se. Para trás parecem ter ficado a irreverência e os maus gestos no pelotão.
Passou por Sky e Astana, aliás, quando chegou à equipa britânica era um dos melhores sub-23 do mundo. Em 2015 ganhou os Troféus Citta di San Vendemiano, Almar e Palio del Recioto; no Mundial de Richmond perdeu o bronze para Anthony Turgis.
Em 2024 chegou à Soudal Quick-Step. A formação da Flandres está enraizada no campo e tem corredores – como Yves Lampaert – que são agricultores e colecionadores de tratores.
Foi um match perfeito entre ciclista e equipa… em teoria.
“Nunca tinha podido conversar com colegas de equipa sobre tratores. Antes de ser ciclista todos os meus colegas de escola eram agricultores, era a nossa vida. Temos isso em comum com as pessoas da Flandres, por isso espero que esta boa experiência possa resultar em vitórias. Porque não ficar mais tempo na equipa?”

Créditos: A.S.O. / Pauline Ballet
Pensou em retirar-se no final de 2023
Este ano Gianni Moscon pouco se deixou ver nas clássicas do Norte. Em Roubaix – a prova que venera – nem terminou. O melhor momento foi no Scheldeprijs onde posicionou Tim Merlier para a vitória.
O Scheldeprijs é Pro Series. Em corridas de pavé do WorldTour os belgas não ganham desde a Volta à Flandres de Kasper Asgreen (2021)!
É justo dizer que Gianni Moscon chegou no pior momento da Soudal Quick-Step nas clássicas do Norte. Nada que assuste um corredor que pensou em retirar-se no final de 2023.
“Após a Lombardia saíram-me 25 kg de cima. Estava contente por ter acabado a época e o contrato com a Astana. O mercado está cheio de bons ciclistas e é difícil encontrar equipa, pensei que se não fosse possível encontrar uma boa equipa preferia parar.”

Créditos: A.S.O. / Charly Lopez
Ganha o salário mínimo
Um vencedor da Lombardia em sub-23 e gregário de luxo de Egan Bernal quando venceu o Giro em vias de se retirar… aos 29 anos.
Patrick Lefevere deu-lhe uma oportunidade, mas foi oportunista. Gianni Moscon ganha o salário mínimo do WorldTour.
Com 11 vitórias profissionais, incluindo duas corridas (Arctic Race e Guangxi) e dois títulos nacionais de contrarrelógio, é óbvio que tem mais para dar.
“Essa parte de mim está cá. Em 2021 tive a última grande época, os anos da Astana não me servem de referência e 2021 não foi assim há tanto tempo. Posso ser o mesmo corredor, até mais forte, nesta equipa. Além das clássicas da primavera há mais corridas, posso aportar experiência nas grandes Voltas, o importante é estar em boa forma.”

Créditos: ASO / G. Demouveaux
“Não estava habituado a ir no grupeto“
Para trás ficaram duas épocas marcadas por abandonos e problemas físicos.
O facto de nunca ter recuperado a 100 por cento arrastou o ciclista para uma espiral negativo.
“Quando sofres o ciclismo é duro, quando estás na frente a lutar com os primeiros é fácil. Os estágios e o estar longe de casa nunca foram um sacrifício, mas nos últimos dois anos fiz muitos sacrifícios. Todos os dias a descolar, ver passar os carros, para um corredor como eu… não estava habituado a ir no grupeto. É duro.
Veremos o que a época reserva a Gianni Moscon. Se o ciclismo falhar sobram ideias para negócios ligados ao setor agrícola.
Em setembro e outubro nem vale a pena procurar por ele: é a época da apanha da maçã e não faltam festas na região de Trentino-Alto Ádige.