O abraço de Miguel Indurain, o momento que decidiu a etapa e o regresso do caça-etapas. Rui Costa em entrevista ao TopCycling após vencer na Vuelta a Espanha.
Lekunberri já faz parte da história do ciclismo português. O município navarro – comunidade onde nasceu o maior ciclista espanhol de todos os tempos, Miguel Indurain – foi palco do regresso de Rui Costa às vitórias em grandes Voltas.
O corredor da Intermaché-Circus-Wanty não vencia numa prova de três semanas desde o mágico ano de 2013 onde além das duas etapas no Tour de France se sagrou campeão do mundo em Florença.
Pelo meio Rui Costa não deixou de tentar e ficou perto de levantar os braços em várias ocasiões:
- 3º em Formigal na Vuelta 2020
- 4º em Gijón na Vuelta 2017
- 2º em Piancavallo no Giro 2017
- 2º em Canazei no Giro 2017
- 2º em Bagno di Romagna no Giro 2017
- 2º em Andorra no Tour 2016
Como escreveu o sábio Carlos Arribas no El País, o “triunfo do português, de 36 anos, converte a vitória num argumento contra a velhofobia do pelotão”. Rui Costa partilha esta visão.
“A idade é um número, mas para muitas equipas não é assim que funciona. A juventude entrou com muita força e explosão, os mais veteranos têm pago um pouco essa fatura. De momento não tenho nada para o futuro, esta vitória vai ajudar de certeza. Gostava de continuar nesta equipa que acreditou em mim.”
Rui Costa em declarações ao TopCycling.
João Almeida dinamitou o início de etapa
A 15ª etapa arrancou em Pamplona, capital da comunidade foral de Navarra. A UAE-Emirates animou as hostes e com ataques de Marc Soler e João Almeida dinamitou o início da etapa reduzindo o pelotão a 20 homens a 90km da meta.
Com Jonas Vingegaard junto aos UAE a loucura era tanta que o próprio grupo dianteiro levantou o pé e permitiu a reentrada dos atrasados após cumprirem a primeira hora a 47km/h. Para se ter uma ideia, a média de watts gastos por Rui Costa até pegar a fuga foi 330-350.
Evenepoel aceitou o convite para bailar o bailinho da Madeira
Rui Costa deixou-se ver pela primeira vez a 84,8km do final. Faltavam 6km para a primeira subida categorizada e Remco Evenepoel aceitou o convite para bailar o bailinho da Madeira.
A fuga demorou quase 70km a sair e chegou a ter 20 ciclistas, muitos deles de nível premium. O vencedor da 9ª etapa no alto da Cruz de Caravaca, Lennard Kamna (Bora-hansgrohe), o vencedor da 2ª etapa em Barcelona, Andreas Kron (Lotto-Dstny), o conquistador dos Três Picos de Lavaredo no Giro, Santiago Buitrago (Bahrain), além do francês Kenny Ellisonde (Lidl-Trek), que junto com Evenepoel, Kron e Kamna formavam um lote de corredores já com vitórias na Vuelta.
A dupla ascensão de Zuarrarrate (6,3km a 5,1%) partiu a fuga. Rui Costa mexeu-se e só Buitrago e Kamna responderam à altura. Evenepoel pagou a fatura do esforço do dia anterior e não teve pernas.
“Sabia que a última subida ia ser atacada e o Buitrago tinha dado indicações na primeira passagem de que ia forte. Não queria ser eu a tomar a iniciativa, deixei-me ir até o Nico Denz atacar porque era ali que tinha ganhar tempo antes do Kamna atacar. Não foi premeditado, foi intuitivo. Nesta etapa o momento-chave foi ter ganho aquela vantagem antes de entrar na subida porque sabia que iam tentar de tudo para me descarregar e não me levarem para o risco de meta.”
Por esta altura, na emissão do Eurosport Espanha, surgiu a expressão “killer”, proferida pelo narrador Javier Ares: “Rui Costa leva cara de killer. Não o tiram de cima nem com água quente.” Antes disso já Juan Antonio Flecha e Alberto Contador tinham avisado que Rui Costa era má companhia para Buitrago e que quando cheira a vitória entra noutra dimensão.
O regresso do caça-etapas
Palavras proféticas dos dois ex-ciclistas. A 8,5km da meta e após coroarem Zuarrarrate só restava um trio de fugitivos.
Até ao sprint final ainda caiu Kamna, mas o alemão regressou a tempo de tentar evitar o inevitável.
“O Kamna teve a situação triste de sair de estrada, talvez a coisa mudasse para ele no final, mas tendo passado uma vez a descida sabia que a curva era fechada e à velocidade que ele entrou era impossível não sair. O Buitrago não colaborou e nessas situações jogo muito frio e para ganhar, não há meio-termo. Quando as pernas respondem o foco é ganhar. Cada vez que ando em fuga sou um corredor a ter em conta o que torna cada vez mais difícil ganhar, por isso a vitória sabe bem face ao nível dos atletas no grupo.”
Rui Costa registou em Lekunberri a 31ª vitória da carreira, a quarta da época e todas obtidas em Espanha. Só em 2013 teve melhores números e esse já sabemos que foi um ano histórico.
O abraço especial de Miguel Indurain
Sorrisos, lágrimas e gritos. As reações da Intermaché-Circus-Wanty foram as típicas de quem vence numa das provas mais importantes da temporada. No entanto, há algo que Rui Costa não esquecerá deste dia em Navarra.
“Fico com um momento em que estive com o don Miguel Indurain, que me disse que com a idade que tenho estou um miúdo. Essas palavras dizem muito para mim. É o senhor Miguel Indurain e sentir a emoção da parte dele significa muito.”
Vitória “abençoada” por Miguel Indurain, um tipo discreto e que diz que o segredo da longevidade e boa forma é tomar uma cervejinha de vez em quando. O mesmo disse Alejandro Valverde quando se retirou. Qual é o segredo de Rui Costa que em outubro faz 37 anos?
“Talvez na linha deles [risos]. Às vezes chegamos tão saturados de açúcares que apetece algo salgado, um sabor diferente. Após a etapa de sábado foi à Valverde, uma cerveja 0,0 porque chegamos desidratados, mas o álcool só prejudica na recuperação e temos que ser profissionais.”
Agora é descansar porque o transfer para a Cantábria foi longo e terça-feira a Vuelta a Espanha entra na última semana. Rui Costa ganhou quando não contava, após chegar vazio do fim-de-semana nos Pirenéis. Uma vez mais mostrou que quando veste o maillot vai com tudo e transforma-se. À campeão!
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