Ricardo Scheidecker – “Somos uma estrutura WorldTour”
Tudor estreia-se no Giro e nas clássicas belgas. Falamos com Ricardo Scheidecker acerca da ambição da equipa suíça, de como se cria um ADN ganhador e da atenção ao mercado português.
Um ano no pelotão profissional bastou à Tudor para conquistar um lugar no Giro de Itália. A formação suíça, lançada em 2022 por Fabian Cancellara com a base da antiga Swiss Racing Academy, convenceu a RCS a deixar de fora a Corratec-Vini Fantini italiana para agarrar uma vaga.
Não é fácil para um organizador abdicar de uma equipa local, mas no caso da Tudor era previsível pelo prestígio do Spartacus, pela solidez do investimento e pelo facto de que a marca de relógios suíça é patrocinadora da RCS.
O TopCycling visitou o estágio da Tudor em L’Alfàs del Pi (Alicante), no início de janeiro, e esteve quase uma hora à conversa com Ricardo Scheidecker, braço direito do proprietário Fabian Cancellara.
Antes de ver confirmada a participação no Giro já se sentia por parte da estrutura a confiança de que a estreia numa grande Volta estava iminente, vincando que um convite não é o mesmo que um bilhete e que não se pode comprar.
“As pessoas da RCS percebem que não queremos ir porque a Tudor patrocina a RCS. Podíamos ter tentado ir ao Giro no ano passado e quando reunimos – como sempre fiz com todos os grandes organizadores – dissemos que não porque não estávamos preparados. Este ano, depois de reforçar a equipa, estamos preparados para a nossa primeira grande Volta e pela primeira vez participar nas clássicas da Bélgica. Sempre com uma ideia realista do que podemos fazer, mas a equipa que vai ao Giro tem qualidade, não fomos pedir esmola para participar.”
Ricardo Scheidecker ao TopCycling.
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Todos os setores foram reforçados
A parte mais fácil está feita, o duro vem em maio quando a Tudor tiver que confirmar na estrada o porquê de passar a estar no radar das provas importantes.
Para consolidar a ambição do projeto todos os setores foram reforçados, do staff ao plantel, que passa de 20 a 28 corredores. Todos os atletas recrutados partilham o facto de chegarem do WorldTour.
Matteo Trentin, Alberto Dainese e Michael Storer são nomes sonantes que trazem no currículo vitórias em grandes Voltas. Também preenchem requisitos humanos que Ricardo Scheidecker sente que se alinham com os da Tudor.
“Os corredores trazem um legado. O Alberto ganhou etapas no Giro e na Vuelta e no dia em que for ao Tour tenho a certeza que também vai ganhar. O Matteo é o capitão, tem experiência e capacidade de liderança, foi o primeiro nome que pus em cima da mesa porque já o queria na Quick-Step, mas o Patrick ignorou sempre esse pedido. Aqui nem pensei meio segundo. Queríamos trazer qualidade física e humana para melhorar a equipa, há ‘campeões’ que não têm hipótese de vir porque não se alinham com a nossa forma de estar.”
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“Estava à espera de ganhar zero. Ganhar 11 foi excecional”
Pela segunda vez na carreira o português teve que ajudar uma equipa quase do zero, tal como nos tempos da Leopard. A Tudor já tinha estrutura Continental, mas a dimensão da mudança tornou 2023 num ano de transição.
Ricardo Scheidecker, por exemplo, nunca tinha trabalhado numa ProTeam e lidado com detalhes como as limitações de calendário da categoria.
Foi com surpresa que finalizaram a época com 11 vitórias, sequência iniciada pelo sprinter Arvid de Kleijn na corrida mais antiga do mundo, a Milão-Turim.
“Estava à espera de ganhar zero. Ganhar 11 foi excecional! Avisei toda a gente: preparem-se porque podemos não ganhar. Cheguei aqui e conhecia o [Simon] Pellaud, o [Alexander] Kamp e o [Sebastian] Reichenbach, depois percebi que o Arvid [De Kleijn] foi o sprinter que bateu o Cavendish na Volta à Turquia em 2021. Sou ambicioso, mas realista, por isso centramo-nos no processo de fazer tudo bem, dar boas condições aos corredores… as vitórias são uma consequência. Houve uma assimilação do ADN que queremos criar que é continuar o legado do nosso proprietário, o Fabian Cancellara: é normal que queiramos ser uma equipa vencedora, mas ninguém aponta pistolas à cabeça de ninguém, temos é que fazer as coisas bem para tentar ganhar.”
“Somos uma estrutura WorldTour”
A Tudor ganhou mais do que Q36.5 e a Total Energie, mas no ranking UCI foi 25ª. No comando da segunda divisão estiveram Lotto-Dstny (9ª), Israel Premier Tech (16ª) e Uno-X (21ª), assegurando os convites para as melhores corridas.
O fator ranking e os pontos não tiram o sono ao diretor da Tudor, que vê esses aspetos como consequência do trabalho.
Consolidar processos, recrutar atletas que os apliquem e fazer uma boa gestão humana são as prioridades.
“Eu quero ganhar corridas. É preciso sprintar para o 5º? É. Um top 10 na Amstel Gold Race foi importante? Foi, mas não sei quantos pontos deu, tenho colegas que veem isso. Queremos estar entre as duas melhores ProTeam porque nos faz aceder ao calendário de topo. Temos 28 corredores, seis diretores e quatro treinadores só para a ProTeam, depois há a estrutura sub-23; somos uma estrutura WorldTour. Vamos fazer 230 dias de corrida – foram 160 em 2023 – e é evidente que há equipas da nossa categoria que têm mais corredores e fizeram mais corridas, logo, tiveram mais oportunidades de somar pontos. E a performance? Assumem a corrida quanto têm sprinter? Fazem o trabalho que devem fazer?”
ADN ganhador
Born to dare é a frase que se pode ler no autocarro da Tudor e é a ousadia que guia o dia a dia da formação helvética.
Se o objetivo é estar entre as duas melhores ProTeam é preciso disputar e ganhar corridas. Como ganhar a equipas que superam a Tudor em orçamento? Criando um ADN ganhador.
A filosofia e o recrutamento apontam o caminho que a Tudor vai seguir: priorizar os sprinters e caçar vitórias.
“Contratar um corredor de geral custa milhões e todos os ovos num cesto não me parece inteligente. A Bora é um bom exemplo de uma equipa que se estruturou, teve sempre sprinters e a partir do momento em que se solidificou decidiu mudar os objetivos para provas por etapas e já ganharam um Giro de Itália. Se chega um talento que nos permite disputar uma grande Volta não vamos perder a oportunidade, mas não me interessa fazer top 10 e acabar o ano com três vitórias. Sempre estive em equipas que ganharam e ficas viciado na vitória.”
Créditos: Tudor Pro Cycling
Há potencial humano em Portugal?
Também há perfis completos nas fileiras da equipa e que empolgam a direção desportiva. O mais destacado em 2023 foi o alemão Hannes Wilksch, que fez pódio nas versões sub-23 do Giro e do GP Plouay.
Outros nomes a ter em conta são o suíço Yannis Voisard que foi 3º na Hungria e 7º na Sicília, o francês Mathys Rondel que fechou a Volta a França do Futuro no top 10 e foi 2º na Alsácia e o alemão Marco Brenner, que chega da DSM onde não conseguiu mostrar o brilhante júnior que foi.
O que não há na equipa suíça são ciclistas portugueses. Despedimo-nos de Ricardo Scheidecker perguntando se há potencial humano em Portugal?
“Há. A nossa equipa sub-23 tem contacto com uma ou outra equipa de juniores em Portugal e estamos atentos. Os talentos portugueses querem ir de juniores para o WorldTour, o que eu compreendo, talvez com algum compasso intermédio. Não cometemos loucuras e não vamos pagar ordenados a miúdos para aquilo que eles pensam que vão ganhar, não é boa política. Nisso concordo com o Patrick Lefevere que sempre teve sucesso e pode ter perdido talentos, mas pagar ordenados absurdos a corredores que têm grandes dados e watts por quilo, VO2max… têm que demonstrar o valor na estrada porque em cima da bicicleta está um ser humano que tem que usar a inteligência para saber correr e agarrar oportunidades. É coincidência não termos portugueses, mas é também verdade que os talentos em Portugal têm que ser agarrados quando são miúdos senão é difícil, é bastante difícil.”