Vinte e uma grandes voltas passaram desde que um corredor espanhol venceu pela última vez
uma das três maiores provas de três semanas.
Desde o Giro ganho por Alberto Contador, em 2015, que sete nações foram capazes de fazer o que para a Espanha pareceu uma formalidade entre a era de Pedro Delgado e a chegada de Contador – ao todo foram 29 “grandes” conquistadas entre 1985 e 2015, trinta anos de glória sem precedentes!
Esta é a herança que qualquer corredor tem que carregar quando passa a profissional no pelotão espanhol. A isto junte-se a “afición” habituada a ganhar e a pressa dos média em encontrarem novos heróis desportivos que sucedam não só ao Pistolero, mas também aos irmãos Gasol, a Rafael Nadal ou ao eterno Fernando Alonso.
Enric Mas é talentoso e discreto. Num país que pede heróis, o maiorquino é o anti-herói, mesmo que Contador lhe tenha dado a benção em 2017 com um “este é o meu sucessor” bem-intencionado durante a etapa final da Vuelta. Desde esse momento as expectativas dispararam em relação ao ciclista de Artà, Palma de Maiorca.
Nélson Oliveira conhece bem Enric Mas e após falhar o Tour no ano passado voltará a ladear o
maiorquino na expedição a França.
“O objetivo é lutar pelo pódio da classificação geral. Sabemos que ganhar é difícil, mas partimos com ambição.
O Enric é um líder jovem, em aprendizagem, mas sabe o que quer e já adquiriu certa maturidade, embora ainda não ao nível de um Bala [Valverde] ou de um Nairo [Quintana]. Tem as ideias claras, sabe como dizer as coisas e como pessoa é discreto e humilde, que nos sabe levar e reconhecer quando erra.
Esperemos que no Tour deixe os azares para trás das costas porque sem eles chegaria como
contextualiza o ciclista de Anadia.
um dos mais regulares da temporada”,
Azar é a palavra que, até agora, define a época de Enric Mas, corredor fiável que foi duas vezes
2º na Vuelta (2018 e 2021) e fechou o Tour nos seis primeiros nas duas últimas edições.
Este ano, caiu no Tirreno-Adriático ao apanhar gravilha numa descida; no último dia da Volta ao
País Basco tomou uma curva com velocidade a mais e caiu junto com Nélson Oliveira; e no
Dauphiné nova queda em descida. Nas três provas estava na luta pelo pódio.
O super gregário da Movistar tranquiliza os seguidores da formação espanhola:
“O Enric não tem problemas a descer. É um ciclista jovem, valente e no Tour a estratégia da equipa está montada em torno dele. Claro que a moral está um bocadinho em baixo porque queremos resultados e que a equipa cresça.
O Carlos Verona deu-nos uma grande vitória no Dauphiné, mas sabemos que é preciso que o Tour e a Vuelta corram bem por causa dos pontos UCI. Não está a ser um ano fácil e temos que estar preparados para tudo, mas já vimos que a pressão dos pontos muda as corridas.
Se antes era só o líder que ia a fundo, agora vemos que todos vão a sofrer até ao fim e isso num Tour paga-se ao fim de vários dias.”
Diz Nelson Oliveira
Como forma de reforçar a confiança para o Tour, a Movistar anunciou a renovação até final de
2025 com Enric Mas.
“Foram meses complicados neste arranque de 2022, com diversos incidentes (…) que me impediram de mostrar a minha melhor versão na estrada, mas o ciclismo e a vida são assim, há que encarar as coisas como elas acontecem”,
disse Mas em comunicado da Movistar.
Vídeo da renovação publicado pela Movistar Team
Nelson Oliveira no Tour de France 2022
A Movistar leva um bloco com Enric Mas, Nelson Oliveira, Carlos Verona, Imanol Erviti, Gorka Izagirre, Gregor Mühlberger, Albert Torres e Matteo Jorgenson.
ADN Movistar: Leal como Oliveira, conhecedor como Erviti e génio como Valverde
Vai ser um Tour de France com uma primeira semana traiçoeira, segundo Nélson Oliveira, veterano de 15 grandes voltas iniciadas e concluídas.

Sem segredos, a arte de sobreviver ao caos passa por saber:
“… quando tenho que levantar o pé e ter a felicidade de não ter doenças ou quedas. Não há truques numa grande volta porque em teoria todos os corredores estão fisicamente aptos para fazer as três semanas.”
O certo é que muitos não chegam a Paris e Nélson já por duas vezes subiu ao pódio nos Campos Elísios como vencedor da classificação por equipas [que a Movistar ganhou em cinco das últimas oito
edições].
Este ano o Tour de France começa na Dinamarca, tal como o Giro em 2012, na altura com partida de Herning. Há 10 anos também as três primeiras etapas foram no país escandinavo e aí esteve um jovem RadioShack que fazia a estreia na corrida italiana.
“Fiz o Giro quando partiu da Dinamarca e sei como é complicado. Vamos ter etapas perigosas pelo vento e a primeira semana é sempre tensa porque as coisas não estão bem definidas.
Depois há o aspecto do dia de descanso ser na primeira segunda-feira; se tivermos que viajar
de manhã é pior do que fazer uma etapa porque não descansamos, o ideal é viajar no domingo
e ter o dia para descansar e treinar, mas nunca é bom parar quando estamos a entrar no ritmo.Regressamos com uma 4ª etapa traiçoeira por ser junto à costa no norte de França e no dia seguinte há setores de pavê. É preciso não ter azares e estar sempre no sítio certo”,
analisa Nélson Oliveira.
Pela imprevisibilidade da primeira semana nem vale a pena fazer prognósticos a médio prazo. A montanha só chega à 7ª etapa com o final em Super Planche des Belles Filles num dia para colocar cada um no seu sítio.
Tadej Pogacar é o favorito,
“mas a primeira semana vai ditar muita coisa porque caso um dos favoritos perca tempo a corrida vai tornar-se mais aberta, pelo menos até à Super Planche que já vai pôr muita gente no seu sítio”.
A caminho do oitavo ano na Movistar – que em 42 anos venceu 15 grandes voltas – Nélson Oliveira sente-se em família e esperar continuar com Eusebio Unzué mais alguns anos.
O gosto por ganhar não desapareceu, mas tem sido muitas vezes deixado em segundo plano com o português a assumir o papel de líder silencioso. Essa forma de ser e estar é o ADN da Movistar.
“Não perdi o gosto por ganhar e há algum tempo que não o faço [desde o Nacional de contrarrelógio em 2016], por isso gostava de vencer uma etapa para me voltar a sentir competitivo.
Há dias em que temos liberdade e como a equipa precisa de vitórias tentamos entrar na fuga, só que já nos desgastamos previamente no apoio ao líder, seria diferente se pudesse levantar o pé um ou dois dias e ir fresco para a frente.
Estou feliz na equipa e temos um bom grupo com gente como o Imanol Erviti que está há 14 anos ou o Alejandro Valverde que leva 18; são líderes que nos sabem dizer o que às vezes não queremos ouvir e têm um papel muito importante junto dos jovens ciclistas.
O Imanol é mais interventivo, enquanto nesse aspecto o Bala é mais reservado”,
conclui.
Será Enric Mas o génio que vai recolocar a Movistar entre as equipas de topo do WorldTour? Nova oportunidade já a partir de sexta-feira, dia 1 de Julho.
Por: Gonçalo Moreira
Fotografia: Sprint Cycling Agency / Movistar Team
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