Pogacar na Strade Bianche, Ayuso no Tirreno-Adriático e o capacete da Visma. O ciclismo narrado ao estilo de Jorge Perestrelo.
Vivem-se dias de euforia na UAE Emirates. Tadej Pogacar venceu a Strade Bianche atacando a 81 km da meta e fez o maior solo na era ProTour/WorldTour numa prova de um dia!
Desporto é emoção e um grito na altura certa provoca um arrepio na espinha. Vem-me à memória o jornalista Jorge Perestrelo, que de provocar emoções sabia tudo.
Imaginem por um momento que vivemos num universo paralelo. A icónica voz da TSF narra o ataque de Pogacar no Monte Sante Marie: “Que os Deuses do ciclismo estejam contigo. É disto que o meu povo gosta, Tadej!”

A rapaqueca é a bike
Como reagiria a voz da TSF ao ver Juan Ayuso bater dois campeões olímpicos como Filippo Gana e Jonatan Milan… num contrarrelógio… em Itália? Com o bónus de meter 22 segundos a Jonas Vingegaard, que no Tour fez a maior exibição num crono que ha memória!
No ciclismo não há bola, mas imaginemos que a rapaqueca é a bike. “É golo, é golo, é golo, é golo, é golo! Gooooolo da UAE… Juan Ayuuuuuso ripa na rapaqueca!”
E o que se ia rir com o novo capacete da Visma? “Meu Deus, eu não acredito… Com esse capacete nem que o jacaré tussa!”

Trazer para o desporto o lado metafísico da vida
A nova geração não cresceu com estes relatos. Perestrelo morreu em 2005. Eu tive a sorte de o ouvir invocar o sagrado, relacionar amor e bola, no fundo trazer para o desporto o lado metafísico da vida.
Num momento inusitado, quando um craque não rendia, o mestre estava lá para pontuar com humor a situação.
“O que é que isso, ó Alaphilippe? O que é que é isso, ó Jakobsen?” Nem o francês da Soudal acaba uma corrida de pé – caiu na Omloop e na Strade – nem o neerlandês patrão da dsm ganha um sprint.
E o que aconteceu no Gran Camiño? Três vitórias em três etapas? “Ó Jonas leva a bola pra casa meu…”

A época já nos deu tanto e ainda nem vai a meio
Quando a situação era escandalosa Jorge Perestrelo sacava a carta da manga. Vamos à Clássica Var, Lenny Martinez “rouba a carteira” Tobias Halland Johannessen: “Ó Tobias, eu com a minha barriguinha chegava e faturava! Ó minha nossa Senhora.”
Não faço ideia se Jorge Perestrelo sequer via ciclismo nem quero usurpar a genialidade dele. Apenas brincar ao ciclismo e recordá-lo porque era brilhante.
A época já nos deu tanto e ainda nem vai a meio. Deixem-se emocionar. Como diria o génio da rádio: “É a festa do ciclismo.”