Soudal-Quick-Step sem top 10 na Gent e em Harelbeke na semana em que Remco Evenepoel ganhou etapas e foi 2º na Catalunha. O que está a mudar no ADN belga?
Partindo destes dados inéditos refleti sobre o momento do ciclismo belga. Com o Giro à porta e a possibilidade de interromperem uma seca de vitórias que dura desde Johan De Muynck (Bianchi-Faema) em 1978, os belgas sonham com Remco Evenepoel e têm motivos para olhar para o futuro com ambição.
A nova geração é talentosa e multifacetada, mas porquê tantos voltistas? Lennert Van Eetvelt (Lotto-Dstny) tem 21 anos e disse-me algo interessante:
“Os jovens belgas começaram a ir treinar para Espanha porque é difícil tornares-te trepador se não treinas nas montanhas. A mentalidade desta geração face às montanhas mudou.”
Lennert Van Eetvelt ao TopCycling.
Evenepoel é o paradigma, mas há interessantes projetos de voltistas como Henri Vandenabeele (DSM), que foi batido por Tom Pidcock (Trinity; atualmente na Ineos) em 2020 e acabou 3º em 2021. Lennert Van Eetvelt também viu o Giro escapar para Leo Hayter (DSM; atualmente na Ineos), mas venceu a chegada ao Colle della Fauniera.
“Sempre tive potencial nas subidas longas, mas provei a mim mesmo que era um bom trepador ao ganhar numa subida de uma hora e 20 minutos. Era um esforço longo [26km], tive que gerir bem, nos últimos 8km estávamos a 2400m de altitude. Todo o Giro foi duríssimo, tivemos dias de seis horas, em algumas etapas fiquei sem alimento no final… Já no Giro de 2021 comecei bem e fui piorando, mas melhorei a alimentação, passei a descansar mais e agora sei como abordar as corridas por etapas. Talvez faça a Vuelta no final desta temporada.”
Lennert Van Eetvelt ao TopCycling.
À lista temos que juntar Cian Uijtdebroecks (Bora-Hansgrohe), que logo no primeiro ano de profissional ganhou a Volta a França do Futuro. Outros nomes no radar são William Junior Lecerf – 3º na Volta ao Ruanda que corre na Quick-Step continental – e o colega Gil Gelders, recente vencedor da Gent-Wevelgem esperanças.
O Touro De Lie
A Bélgica tem voltistas, mas o espetro de talento é mais amplo. Alec Segaert é campeão nacional, europeu e vice-campeão mundial de contrarrelógio, além de colega na Lotto-Dstny do sprinter Arnaud de Lie.
Nove vitórias e 12 pódios como neo-pro. Ciclista mais pontuado da Lotto-Dstny no ranking UCI com 19 anos. Em entrevista ao TopCycling Arnaud De Lie explica que “2022 foi excelente ao nível da progressão e isso lança-me bem para esta temporada. A Lotto trabalha muito a equipa de desenvolvimento, este ano deu um passo importante para o futuro ao passar a Continental. Fazem de tudo para nós passarmos de sub23 a profissionais no melhor momento. Fui contactado aos 17 anos pelo Kurt Van de Wouer, assinei como júnior de primeiro ano e subi a profissional no primeiro ano de sub23, mas cada corredor é diferente”.
Arnaud De Lie é maciço – 1,82cm/78kg. Por ser 20 quilos mais pesado do que os rivais chamavam-lhe o boi; as vitórias e um speaker com sentido de humor numa prova de BTT promoveram-no a “Touro de Lescheret”, localidade situada nas Ardenas do lado da Valónia. É o mais talentoso dos irmãos De Lie; o mais velho é Axel, rolador com bons resultados a nível nacional e que por trabalho nunca viveu do ciclismo até assinar pela satélite da Lotto-Dstny.
O Touro De Lie fala com segurança e tem as coisas claras. Grandes Voltas só em 2024. Os sonhos estão identificados e o 2º lugar na Omloop Het Nieuwsblad reforça a ambição.
“Roubaix e Flandres são provas com as quais sonho, são corridas de mano a mano, se tiver a possibilidade de as ganhar será o cumprir de um sonho. Este ano prefiro a qualidade do que a quantidade. Há boas oportunidades na primavera, mas também depois num GP Plouay ou no GP Québec que me assentam bem. ”
TopCycling conversou com Arnaud de Lie no Media Day que decorreu em Espanha.
O todo-terreno que adora Anadia
As equipas não vivem só de líderes. É preciso quem trabalhe e para se desempenhar o papel de gregário o talento deve ser semelhante ao do líder. A Alpecin-Deceuninck recrutou Fabio Van den Bossche, mais conhecido pelos dois bronzes que ganhou no Mundial de pista em 2022. Começou na Sport Vlanderen e desde que passou para a nova equipa tem-se vindo a transformar.
Passou de subir com os melhores a focar-se em esforços mais curtos, convertendo-se em puncheur. O tipo de treino torna mais fácil conciliar estrada e pista já que o objetivo é competir nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.
“Tive um bom 2022 na pista, vai ser difícil fazer melhor este ano. A equipa ajudou-me muito porque nos focamos em treino de força, esforços curtos, ganhar músculo. Isso foi recompensado nos Mundiais e em quase todas as grandes provas de pista venci medalhas.“
Fabio Van den Bossche, bronze na corrida por pontos e no madison no Mundial de pista.
Van den Bossche pesa 63kg e vai estrear-se nas clássicas das Ardenas. É um todo-terreno que adora o velódromo de Anadia, onde estagiou com a seleção. Como se pode encaixar numa geração super talentosa da Bélgica? “Podem usar-me em muitas corridas na ajuda aos líderes. Subo bem e ando no pavê. O meu ponto forte é ser útil em muitas provas e espero no futuro poder ajudar os líderes a chegar às grandes vitórias. Talvez nas corridas menores possa ter oportunidades”, analisa.
Nativo de Gent, faz parte da nova vaga de talentos da Bélgica, um país de planícies e subidas curtas capaz de produzir uma tremenda geração de trepadores.
“Começaram a viver e a treinar como profissionais mais cedo face ao passado. Para o Cian e o Van Eetvelt é uma motivação ver o Remco ganhar uma Vuelta. A Federação também tem trabalhado com os trepadores.”
Fabio Van den Bossche atendeu o TopCycling em Pedreguer (Alicante).
O tempo dirá se a transformação do ciclismo belga é uma feliz coincidência no espaço e no tempo de voltistas promissores ou se algo está a mudar no ADN de uma nação que venera as clássicas.
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